Entrevista de domingo: Paulo André
Com Marcelo Braga, Marcelo Damato e Thiago Perdigão
São Paulo
Idade: 29 anos
Lugar: CT do Corinthians, na quinta-feira
A favor: das manifestações pacíficas pelo Brasil e de uma nova estrutura no futebol nacional
Contra: PEC 37 e a Copa do Mundo de 2014
Uma imagem que não existiu e provavelmente não existirá não sai da cabeça de Paulo André nos últimos dias:
– Estaremos concentrados até quarta-feira e brinquei com o Alessandro, que está vibrando com a movimentação popular: “Imagine se a gente pega uma van e para no meio do protesto com metade do time, que legal seria” – disse ele.
– É óbvio que o Tite não vai deixar, há os outros interesses, mas seria um sonho. Seria coçar o pé do Sócrates ver o Corinthians à frente de outra manifestação – afirmou.
Jogador brasileiro mais engajado em questões sociais e políticas de sua geração, o corintiano falou ao L! e, dentre outras coisas, revelou que o Paulistão quase sofreu uma greve entre os jogadores e que mudou sua ideia sobre a Copa.
– Acho que ela não fez bem ao Brasil. Não estávamos preparados – disse ele, que adotou como causa a protestar a votação da PEC 37 (veja a foto), que acabou sendo adiada para julho.
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Foto: Renato Cordeiro/LANCE!Press |
LANCE! Você se manifestou a favor das manifestações. É hora de os atletas se unirem pela causa?
Acho fundamental, pois a sociedade se espelha na gente para chegar em algum lugar, como ídolo, herói ou prova de superação. Tenho certeza de que quando disse que apoio o movimento pacífico, que sou contra a violência mas que estou junto deles nas reclamações, muitas pessoas que gostam de mim começaram a entender melhor o movimento. A força dos atletas é grande, mas mal explorada.
L! Nas Diretas Já, Sócrates, Casagrande e Cia. subiram em palanques. O que dá para fazer?
Uma vez que você tem consciência política e posicionamento, pode se expor e colocar o seu na reta. Mas não dá para sair do zero ao cem de uma hora para outra. Se o atleta não tem coragem de falar que o trabalho de alguém é bom ou ruim, não é agora que vai sair falando. O momento é interessante para que se conscientizem do seu poder, que é preciso entender mais de política e gestão para se posicionar. Vale só apoiar? Vale muito. Os jogadores hoje são capazes de fazer só isso.
L! Alguns opinaram na Seleção Brasileira. O que achou?
Quem apareceu foi pressionado e exposto. Você está na Seleção, no olho do furacão e te perguntam, você é obrigado a responder. Deviam fazer mais vezes, em mais causas, alertar o povo de que há a necessidade de melhoria. Não preciso defender tudo, mas no que concordo, por que não me expor? Você não vai agradar a todos. Foi o maior aprendizado que tive com Sócrates.
L! O que ele te falou sobre isso?
Quando perdemos para o Tolima (na Libertadores de 2011), saímos do CT apedrejados. Pensei: "Não sou bandido". No ônibus já fui pensando no texto, foi um dos primeiros que escrevi, mas estava inseguro. Primeiro porque jogador escrever já é esquisito (risos). Segundo que, no pior momento da história do clube, vou ser contra a torcida? Liguei para o Doutor e mandei o texto por e-mail. Ele leu, me convidou para ir à casa dele, e me disse: "Essa é uma decisão tua, mas só quero que entenda que tua causa não pode ser maior que a paixão do corintiano. O resto você está coberto de razão". Voltei para casa, fiz mudanças e soltei o texto. "Apanhei" de muita gente, mas comecei a chamar a atenção para um lado que ninguém conhecia. Mas bem embasado, às vezes vale a pena.
L! Seu discurso pode influenciar mais jogadores a darem opiniões?
Já fui mais sonhador, que poderia
influenciar os próximos a mim, mas acho que talvez influencie a próxima geração. Ela vai ver que é possível ser jogador e pensar fora da caixinha. Vejo muito medo de diretoria, dos clubes, da torcida. Vou jogar mal e falhar, então meu telhado é de vidro. Aguento brincadeira: "Vai pintar! Ganha bem e fica aí reclamando". É uma consequência...
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Foto: Reginaldo Castro/Lancepress |
L! Você compartilhou na internet o editorial do L! que pede mudanças na estrutura do futebol. Por quê?
Concordo com praticamente tudo. É uma das minhas ideias mudar o futebol. Primeiro mudar o país, que é o que se fala hoje, mas há três anos faço críticas para mostrar que o calendário é ruim, que a CBF não executa seu trabalho de forma adequada, que as federações não se preocupam com os clubes do interior. Quando li, me senti representado. Vejo que o movimento ganha força. O modelo de formação de atletas do futebol brasileiro é ultrapassado, então é um grande momento para irmos nesse caminho e tentar mudanças pontuais para se desenvolver e voltar a crescer como o país do futebol.
L! Você é a favor da realização da Copa do Mundo de futebol no Brasil no ano que vem?
Quando ela chegou, fiquei feliz, era um sonho. Todo mundo gostaria de ver a Copa aqui e ganhá-la, mas o projeto inicial do governo era que a iniciativa privada tocasse a maior parte das obras, que todo o desenvolvimento de infraestrutura e mobilidade urbana fosse feito assim. Depois de algum tempo você percebe que não aconteceu isso. Nada mais justo do que mudar de opinião. Hoje, foram gastos mais de R$ 28 bilhões e não há legado estrutural. Ficam os estádios, todos lindos e bem feitos, mas onde foram gastos mais do que se devia. E você vê a dificuldade nos aeroportos, com quase nenhuma obra concluída. Quando tiro um pouco a cabeça do futebol e olho por cima, acho que não fez bem para o Brasil. Não estávamos preparados para isso. Tinham mais coisas importantes do que a Copa e as Olimpíadas para que melhorássemos antes.
L! O Corinthians está envolvido na Copa. Nunca te silenciaram?
Não. Uma vez o Andrés (Sanchez, ex-presidente) falou que primeiro eu tinha de jogar para depois falar, porque eu estava machucado. Ele estava na CBF e eu era contrário às decisões. Faltavam projetos a longo prazo. Foi a única invertida que tomei. Tenho um grande apreço por ele, mas continuarei falando porque são minhas opiniões, é ideológico.
L! O que projeta para o futuro?
Brinco que um dia vou se presidente da CBF. Ou melhor, da Liga.
L! Prefere o modelo de ligas?
Seria mais interessante para o futebol. Porque teriam menos cargos políticos e mais cargos técnicos na direção.
L! Qual seria sua primeira medida?
São tantas (risos). É necessário planejamento. Onde queremos estar em 20 anos? Que futebol queremos jogar? Um bonito como o da Espanha? Como o de 1970 ou de 1982? Vamos capacitar pessoas para que, dentro de clubes e federações, capacitemos esse tipo de atleta. O resultado virá em alguns anos. É função da CBF investir para atingirmos o tipo de futebol que se quer. Hoje ela cuida do Brasileirão, da Copa do Brasil e da Seleção, mas vejo um vácuo grande de vontade de querer melhorar o produto que eles têm na mão. Na Seleção há pressão, mas nos torneios não se pensa em melhorar o nível.
L! Faltam bons técnicos de base?
Já é necessário, mas em algum momento vão perceber que a capacitação dos profissionais que trabalham com futebol é urgente. Além do currículo de educador físico, é necessário um curso da CBF, como é feito em toda a Europa. Que se capacite pessoas para trabalhar com crianças dos 10 aos 12, dos 12 aos 15 e dos 15 aos 17, cada nível com sua graduação e elementos básicos de aprendizado. Isso com uma linha central para desenvolver o trabalho desejado.
L! Acha que os jogadores deveriam participar mais das decisões?
Sim, não só no futebol, mas em todos os esportes. Hoje, é muito engessado o modelo político de federação e confederação. O jogador não tem voz. Na última vez que teve greve na NBA (liga de basquete americana), quem representou os atletas foram Kobe Bryant, LeBron James e outros seis dos melhores. São esses que podem dar a cara a tapa. Aqui são os de Corinthians, Palmeiras, São Paulo, Cruzeiro, Inter...Temos de fazer em benefício de quem vem atrás. Se hoje tenho essa visão, foi porque joguei no Taboão da Serra e ganhei R$ 180 mensais por um ano. Joguei no CSA (AL) e não tinha o que comer. Me formei dentro do São Paulo, mas minha parte educacional foi ruim. Que tipo de atleta estamos formando? Quando pegam o microfone, não conseguem dar entrevista. Mas o atleta profissional hoje é reflexo da sociedade. O ensino público é ridículo.
L! O sindicato te representa?
Já troquei farpas com eles. Em 2010, tentei ajudar com ideias, mas as coisas não andaram. Não nos perguntam sobre o calendário, as férias, a preparação. Em 2012, quando o Palmeiras foi agredido, fui o único jogador a dar entrevistas falando do absurdo. O sindicato me chamou de pseudo-politizado. Mas esse ano melhorou muito. Criaram um conselho para atletas de cada time irem às reuniões. Quase fizeram uma greve no Paulistão, que foi apoiada por todos, pela violência contra o Guarani e Palmeiras. Infelizmente não ocorreu, mas nós éramos a favor dela.
L! Se votasse em 2015, quem apontaria como presidente da CBF?
Tem de ser alguém preparado e com visão para o longo prazo, com capacidade de gestão diferenciada. Hoje não vejo nenhum ex-atleta com competência para assumir o posto.
L! Os protestos vão parar? E é melhor torcer contra o Brasil na Copa das Confederações, pelo impacto?
Não, de jeito nenhum, eles têm de aumentar. Não eram só pelos vinte centavos, né? Reduziram a tarifa, mas era o mínimo. E temos de torcer a favor do Brasil. Aquele sentimento que a Seleção não representava o povo se inverteu. Estão dispostos a lutar e, mesmo assim, apoiar a equipe. Mesmo discordando da CBF e do gasto excessivo do dinheiro público.
Sócrates: conselheiro e grande encorajador
Paulo André conheceu Sócrates através da esposa dele, Kátia Bagnarelli, de quem é amigo de infância. Durante quase dois anos, estabeleceu um forte laço de amizade.
O Doutor, como era chamado o ex-jogador morto em 2011, o presenteou com dois livros: um romance sobre o nazismo, chamado "Guardião dos Gentios", e outro sobre a máfia russa no futebol.
- Não sei se sou discípulo dele. Ele era fechado a novas amizades, mas jantamos algumas vezes, fui em festas de aniversários na casa dele. Falávamos horas de de futebol e de sociedade. Ele foi muito grande, tinha muito mais conteúdo e consciência política do que eu - disse.
Por várias vezes, o ex-jogador deu conselhos a Paulo André, como ele conta na entrevista ao lado [acima].
- Voltei da França enxergando muito potencial no Brasil, mas pouco explorado. Conhecer ele foi um "up", ele tinha uma visão muito mais social e popular de tudo o que eu queria fazer. Foi um conselheiro e um cara que encorajava. Ele via que eu podia fazer o que ele fez ou até coisas que talvez não conseguiu fazer - analisa Paulo.
Paulo André critica e elogia amigo Ronaldo
Paulo André e Ronaldo são amigos dos tempos de Corinthians. Em 2012, porém, após a queda de Ricardo Teixeira, o zagueiro disse não ter aprovado a aproximação do Fenômeno com o cartola, o que irritou o ex-atleta. As opiniões, porém, não mudaram. Nem a amizade.
- Em alguns momentos ele foi claro nas suas posições. Não a todo momento, mas nos mais importantes mostrou a função dele. Foi transparente e claro na conduta. Não está ali (no COL) por dinheiro. Quer desenvolver o futebol - disse.