Cartas de Yokohama

Texto escrito por Paulo André Benini e publicado na edição de janeiro da Revista ESPN

DO SUSTO AO VER O CHELSEA PASSEAR CONTRA O MONTERREY À EMOÇÃO SENTIDA NA PALESTRA DO TÉCNICO TITE. OS DIAS QUE ANTECEDERAM A MAIOR CONQUISTA DA HISTÓRIA DO CORINTHIANS NARRADOS POR PAULO ANDRÉ.


QUINTA-FEIRA, 13/12, 18h


Chegamos ao hotel Sheraton, em Yokohama, e fomos direto a um espaço exclusivo, instalado no 4° andar, onde fizemos, a partir de então, todas as nossas refeições. A comida, que era preparada magistralmente pelo chef Jaime – cozinheiro oficial da CBF que nos acompanhou nessa viagem – já estava pronta e a Cris, nossa nutricionista, supervisionava todos os detalhes da mesa e fornecia comprimidos com suplementação específica para cada jogador.

Eu estava cansado porque não havia conseguido dormir bem na noite anterior, em Nagoia, depois do difícil segundo tempo contra os egípcios do Al-Ahly. Apesar do corpo destruído pelo cansaço, a cabeça estava a mil tentando achar soluções para os nossos problemas. Durante o jantar, fomos informados de que a saída para assistir ao jogo entre Chelsea e Monterrey era às 19h, e o grupo de atletas que queriam ir ao estádio era enorme. Seria uma forma de reconhecer o local, sair um pouco do hotel, ver os adversários com os próprios olhos. Tudo isso poderia ajudar em nossa preparação, mas, durante o jantar, o Martínez e o Guerrero, que dividiam a mesa comigo, me convenceram a ficar no hotel. Disseram que poderíamos conversar durante o jogo, tranquilos e sem passar frio. Eu estava curioso para ver o Chelsea, mas o cansaço de nossa partida contra o Al-Ahly e a viagem de trem que havíamos acabado de fazer pesaram. Resolvi ficar e, ao entrar no meu quarto e esticar o corpo em cima da cama, percebi que tinha feito a escolha certa. Olhei para o relógio, já eram 19h30 e eu nem tinha me mexido, ainda. Estava no meu quarto, sozinho, e resolvi ficar por ali mesmo.

Já nos primeiros minutos ficaram evidentes o domínio e a facilidade com que os ingleses comandavam a partida. Perdi o sono e comecei a prestar mais atenção na maneira como faziam aquilo. Para falar a verdade, comecei a ficar preocupado com o que estava por vir. Pela TV, parecia que eles estavam um nível acima do nosso, algo mais poderoso do que havíamos enfrentado até então. Não conseguia entender por que os jogadores do Monterrey não agrediam a marcação, não eram agudos quando roubavam a bola, e, pior, perdiam todas as divididas. Quando levavam a bola para um dos lados do campo, não conseguiam trocar quatro passes sem que o Chelsea a roubasse novamente. O time inglês era compacto, forte e veloz e a impressão que eu tive foi a de que eles nem precisaram pisar fundo no acelerador para vencer a partida.

Assim que acabou o jogo, às 21h30 do horário local, eu capotei. Acordei às 7h30 do dia seguinte, curiosamente a minha melhor noite de sono desde a chegada ao Japão.



SEXTA-FEIRA, 14/12, 8h


Desci para o café e fui averiguar como foram as impressões de quem havia acompanhado o jogo in loco. “Estádio grande”; “o campo é um pouco maior que o anterior”; “não estava tão frio”; “um jogo bom”. Senti algo estranho no ar. As informações eram superficiais, ninguém falou que o time dos caras era bom ou que o jogo seria difícil. Parecia que ninguém queria assumir os sentimentos que aquele passeio dado pelo Chelsea resultou em nossa mente.

Só quando o Felipe, zagueiro e meu companheiro de quarto, acordou é que pude arrancar as reais impressões e reações daqueles que foram ao jogo. Em resumo, ele disse que ficou surpreso e assustado com a qualidade do nosso adversário na final. Exatamente como eu, pensei. Ninguém assumiu o medo e a insegurança gerados a partir dali, mas, no semblante, todos demonstravam preocupação.

No final da manhã, fui ao quarto do Bruno Mazzioti, fisioterapeuta, para o tratamento de manutenção dos meus joelhos. A “sala de fisioterapia” era um quarto normal no 11° andar. Naquele espaço havia duas camas, vários aparelhos e instrumentos de atendimento. Estirados sobre as camas estavam Douglas, com uma dor no adutor, e Fábio Santos, reclamando do músculo posterior da coxa. Sem opções, puxei uma cadeira, estiquei a perna por cima da cama e comecei a receber tratamento no tendão. De repente, o Fábio me olha e solta: “Nós vamos ganhar, Paulo?”. Aquela pergunta trouxe à tona tudo o que eu havia visto e sentido pela TV. Eu tinha ficado impressionado com a qualidade do Chelsea e sabia que não era o único a ter tido aquelas impressões, mas estava numa posição delicada, perigosa. O que eu dissesse poderia mudar a cabeça de dois jogadores muito importantes na nossa equipe. Eu não podia ser indiferente, não podia dizer que sim ou que não. Precisava compartilhar o que eu estava sentindo e minha resposta deveria ser suficientemente verdadeira para convencer aqueles dois companheiros de que a luta valeria a pena na batalha que estava por vir. E então saiu: “Só ganharemos se tivermos coragem, Fábio. Coragem para assumir riscos, fazer passes quando a vontade é dar chutão e afastar o perigo. Não podemos deixá-los com a bola nos pés o tempo todo. Temos que cutucá-los com força, chegar à frente e, sem dúvida, pressioná-los no campo deles quando a vontade for ficar esperando, para não errar e abrir espaço. Se fizermos isso, formos pra cima, teremos grandes chances”.

“Então acho que vamos ganhar”, rebateu Fábio. Meio que sem querer, a conversa mudou de rumo e seguiu num tom ameno e divertido, sem o peso que estávamos carregando nos ombros. O Fábio relembrou a história do Edenílson, que em Nagoia, dias atrás, havia sido questionado pelo Guilherme Torres, que olhava atônito pela janela do quarto: “É neve, Edenílson?”. “Não, não, são pernilongos albinos”.

Na hora do almoço, fui informado de que daria, ao lado do Guerrero, a entrevista coletiva. Apesar de estar acostumado comas entrevistas, daquela vez foi diferente. Havia dezenas de câmeras e jornalistas do mundo inteiro. O ambiente estava uma loucura e eu sabia que minhas palavras poderiam repercutir no mundo todo. Comecei falando de nossa vontade de vencer, dei algumas impressões sobre jogadores da equipe inglesa e como trabalharíamos isso na final. “Como parar o Chelsea?”, alguém perguntou. Não sei por que,mas veio à minha cabeça o jogo contra o Santos pela semifinal da Libertadores, quando conseguimos parar o Neymar. Segui essa linha de raciocínio porque era o que precisava ser feito para termos alguma chance na final. Só que para colocar a teoria em prática teríamos uma distância muito grande a percorrer.

No final da tarde, saímos para treinar. O clima continuava tenso. Fomos para uma sala, ao lado do campo, que foi usada como vestiário para que passássemos ataduras, pomadas e fizéssemos um aquecimento prévio. Antes, paramos para um cafezinho, enquanto a caixa de som do Sheik tentava dar um ar descontraído ao ambiente, que tinha Paulinho e Julio Cesar colocando apelidos nos mais novos, Romarinho e Guerrero atirando qualquer coisa que voasse na cabeça dos que estivessem por perto, e a velha guarda, Chicão, Alessandro e Danilo, esticando as juntas e iniciando o alongamento.

Surpreendendo a todos, Tite entrou e pediu para alinharmos as cadeiras em círculo, de forma que ele pudesse falar. Aquela seria a primeira vez que ele faria um discurso desde o jogo contra o Al-Ahly, havia dois dias. Ele começou dizendo que entendia como era difícil ter toda a responsabilidade do mundo sobre os ombros. Não analisou friamente o primeiro jogo, mas se colocou na nossa pele e entendeu o que nos fez recuar e permanecer acuados enquanto o time egípcio trocava passes em frente à nossa defesa. Em vez de “dar uma dura”, ele estava do nosso lado, mostrando-se compreensivo e, principalmente, um leitor perfeito dos nossos sentimentos naquele jogo. Então ele se aproximou de nós, repetindo que também sentiu pressão, demonstrando que ele também é humano, passível do peso da responsabilidade, o que nos fez muito bem. De repente, ele parou. Aumentou a respiração, chegou a ficar ofegante. Mudou as feições. Sua pele começou a enrubescer. Lentamente, ele olhou no olho da cada um. Girou o corpo até dar a volta completa e gritou: “Vocês vão olhar no olho dos caras, vocês vão dentro deles”. Seus olhos começaram a marejar. Naquele momento, a emoção tomou conta da sala e a vontade era de que o jogo começasse ali. Estávamos prontos para a guerra. Eu não sei como, mas as dúvidas se transformaram em certezas, o frio na barriga se transformou em coragem e uma sensação de conforto me invadiu. Ele dizia, no gauchês: “Nós vamos a morrer, até o fim. Não vamos parar, não vamos desistir. Eu quero e trabalhei a vida inteira para chegar aqui, alcançar o meu sonho, disputar essa final. Nós não vamos fazer como o outro time. Nós não vamos demorar 50 minutos para dar uma chegada em alguém. Eu não quero saber quem está do outro lado, eu quero competição, com lealdade, mas vamos dentro dos caras. Só precisamos repetir tudo aquilo que nos trouxe até aqui. Da mesma forma. Não vamos mudar nada, vamos jogar muito e vamos merecer vencer. Ao trabalho”, disse, apontando para o campo e terminando sua palestra.


SÁBADO, 15/12, 12h


Durante o almoço, o Fabio Carille, auxiliar do Tite, passou de mesa em mesa procurando os seis jogadores que compunham o sistema defensivo. Alessandro, Chicão, eu, Fabio Santos, Ralf e Paulinho fomos convidados para uma reunião que aconteceria dali 15 minutos. Nosso encontro foi, mais uma vez, no quarto da fisioterapia. Como quadro-negro em forma de campo e uma caneta esferográfica na mão, Tite começou: “Eu quero informar vocês que já conversei com o Douglas e quem vai jogar no lugar dele será o Jorge Henrique. Nós precisamos de mais velocidade nas beiradas, precisamos acelerar tanto a transição defensiva para ofensiva como a transição ofensiva/defensiva. O Jorge vai fazer a função que fez contra o Santos, na semifinal da Libertadores. (Nessa hora, pensei: Foi tudo o que falei para a imprensa ontem. Sem querer, entreguei o ouro para o bandido. Será que o Tite está bravo comigo?) Ele vai bloquear o lado esquerdo do adversário, auxiliando o Alessandro na marcação do Hazard e do Ashley Cole”. E prosseguiu: “Se eles vierem com Ramires, Mikel, Hazard, Mata, Oscar e Torres, acontecerá o seguinte: nossas duas válvulas de escape serão Paulinho e Fábio Santos. Por quê? Porque o Mata não fica enfiado na ponta direita, ou seja, teremos que fazer a bola chegar rápido naquele setor para conseguirmos triangular e sair. Se fecharem aquele espaço, o Paulinho vem buscar a bola entre os zagueiros e vai conduzi-la. Pode se mandar, Paulo, eles não vão te acompanhar. Caso contrário, Paulo André e Chicão têm a opção do fundo, com Sheik e Jorge Henrique”.

E foi assim, sentados na cama do quarto, que definimos a tática que seria usada na grande final. Naquela noite, apesar da ansiedade, recebemos um brasileiro, amigo do Felipe, que mora há muito tempo no Japão e vende produtos eletrônicos desbloqueados. Ele foi ao nosso andar no hotel e o corredor virou um espaço para negócios. Jogadores, integrantes da comissão, rouparia e cozinha testavam aparelhos, faziam contas e compravam iPhones, iPads e máquinas fotográficas de todos os tipos.

Fui para o quarto. Estava sem sono e resolvi arrumar a mala. Minha logística era mais complicada, porque eu mandaria algumas coisas de volta para o Brasil pelos companheiros e a outra parte seguiria comigo nas férias, nos Estados Unidos. Enquanto organizava as coisas, percebi que minhas mãos tremiam, não tinham firmeza para manusear as roupas. Não era o frio, mas sim ansiedade e tensão às vésperas do momento mais importante da minha vida. Quando percebi aquilo, sorri. A maturidade me permitiu perceber e aproveitar cada segundo daquela caminhada rumo ao dia D. Senti-me realizado por viver um momento como esse, mesmo que repleto de inseguranças e incertezas, porque estava confiante de que essa preocupação exacerbada não me deixaria falhar. Eu estaria atento demais para cometer um erro bobo, afinal, batalhei por 15 anos da minha vida sonhando disputar uma final como essa. As mãos foram se aquietando e fui relembrando toda a trajetória desse time. As agruras do Campeonato Brasileiro de 2011, com seus momentos trágicos e mágicos; a construção do título da Libertadores, do qual não pude participar; e, agora, um Mundial que estava tão perto e tão longe ao mesmo tempo. O bendito fuso horário finalmente serviu  para alguma coisa. Quase que imediatamente após deitar, capotei.



DOMINGO, 16/12,

DIA DA FINAL, 11h40


Descemos para a última reunião do ano. Como de praxe, o primeiro slide da apresentação já estava disponível no telão: “Se você está percorrendo o caminho dos seus sonhos, comprometa-se com ele. Assuma o seu caminho de vitória. Enfrente-o com CORAGEM”. Em voz alta, o Tite leu essas palavras e iniciou seu discurso de motivação. Logo em seguida, passou três ou quatro vídeos curtos com os princípios de jogo e as estratégias que ele jamais nos deixa esquecer – em sua maioria, são nossos próprios exemplos de atitude e estratégia retirados de jogos importantes que fizemos durante todo o ano. Ele sempre bate na tecla de que foram esses esforços que nos conduziram por caminhos de sucesso nos últimos dois anos. Já vimos centenas de vezes os mais de 30 exemplos que ele nos dá, e ele sabe como ninguém evidenciar aquilo que é mais importante e que precisa ser enfatizado. Em seguida, assistimos aos curtos vídeos sobre o Chelsea, onde vimos pontos fortes e fracos. Novamente, pensei comigo mesmo, uma ação cirúrgica da comissão técnica, que conseguiu produzir um material encorajador, por conta da quantidade de falhas que encontramos na equipe inglesa. Nos pontos fracos vimos uma equipe com grande dificuldade na transição defensiva quando sua primeira linha de marcação era ultrapassada. Pelo menos era o que mostrava a maioria dos gols sofridos por eles na Liga dos Campeões e no Campeonato Inglês.

Inconscientemente, ganhamos confiança, sentimos que eles eram de carne e osso. Tite não terminava a palestra e repetia coisas que já havia dito, não para reiterar, mas para espantar seu próprio nervosismo e certificar-se de que havia nos passado tudo. “Frio na barriga”, confessou, quando percebeu o que estava acontecendo.

Por fim, ele nos entregou uma matéria que saíra no site da Fifa naquela manhã, falando sobre a multiplicação do time em campo, a disposição e a solidariedade com que aquela equipe jogava desde a Copa Libertadores. A tarde foi sem fim. A hora não passava. O sono não aparecia e o frio na barriga aumentava.

DOMINGO, 16/12,

SAÍDA PARA O ESTÁDIO, 17h


Finalmente, estávamos todos sentados e posicionados no ônibus que nos levaria ao estádio. Tite chamou o Alessandro, que saiu do penúltimo banco à esquerda e foi ao encontro do treinador. Conversaram baixinho. Alguns segundos depois, desceram as TVs do ônibus e um vídeo começou a ser transmitido. Era mais uma produção da comissão, com a participação de nossos familiares. Cada um dos 23 jogadores estava sendo representado por alguém – mãe, pai, filhos, irmã ou irmão. Até a mãe do Guerrero e o pai do Martínez haviam sido gravados pelo Skype (Veja o vídeo AQUI).

Tudo muito emocionante, até que um dos pais começou a chorar, dizendo que o filho merecia estar ali, que era um exemplo e que voltaria campeão do mundo. Ninguém se moveu, todos evitaram olhar para o lado. Não era hora de chorar! A garganta segurou o choro, os olhos se encheram de lágrimas, a vontade de representar nossos familiares aumentou. O corpo todo estava arrepiado quando o vídeo acabou. Uma salva de palmas trouxe a normalidade ao ambiente enquanto uns olhavam de um lado para o outro para ver o tamanho do “estrago” feito por aquela surpresa. Ficou claro que o Tite queria saber a opinião do nosso capitão Alessandro com relação à apresentação, ou não, do vídeo. Emocionar demais os atletas seria bom ou ruim? Foi na medida certa, estávamos prontos para o jogo.

Ao chegarmos ao vestiário, cada um encontrou seu material e a camisa de jogo pendurada no cabide. Eu sentei no meu box, respirei fundo e percebi que não tinha mais para onde correr. Na minha frente estava a maca na qual os enfermeiros e fisioterapeutas trabalhavam em ritmo acelerado. Uma fila se formou naquele lugar.

Cássio foi o primeiro, depois o Chicão, Alessandro e Guerrero. Quatro injeções em menos de três minutos. Lembrei-me das inúmeras injeções que tomei nos últimos anos, a maioria delas para conseguir passar aqueles 90 minutos sem dor. Não precisei disso desta vez, mas estava atento e solidário porque sabia exatamente o tamanho do sofrimento e da dificuldade de cada um deles. Mas uma coisa me chamou a atenção: Cássio saiu de uma maca e foi para outra para que o Bruno Mazziotti mobilizasse seu ombro. Algo que já o vinha incomodando há meses e que, às vezes, ele dizia impedi-lo de levantar o próprio braço. Como eu me lembro de tudo isso? Ainda faltavam 30 minutos para o aquecimento e eu não tinha o que fazer ali dentro. Peguei meu celular e comecei a escrever tudo que estava acontecendo. Foi algo especial que me fez observar o Cássio naquela noite. Sua expressão de dor era nítida, mas tinha um olhar profundo, como quem estava concentrado, visualizando o que estava por vir – se bem que, talvez, nem em seus melhores sonhos ele imaginasse que iria apresentar tamanha  perfeição muito em breve. No corredor, aguardando o comissário da Fifa que autoriza a entrada das duas equipes no campo, perfilamos ao lado do time inglês. O Ivanovic, um defensor alto e muito forte, começou a bater no peito como se estivesse pronto para a briga. Confesso não ter me impressionado, mas gostei  da tentativa. Ao subir a escadaria que nos levou até o campo, senti uma alegria indescritível. O som do estádio aumentou e a nossa torcida fez uma verdadeira festa, dominando a cena no Yokohama Stadium.

O juiz deu início à partida e, dali para frente, eu pouco consigo lembrar. As imagens devem falar muito mais do que eu poderia escrever. De qualquer forma, quando saímos para o intervalo e caminhamos até o vestiário, o encorajamento e a confiança tinham tomado conta do grupo. Sentamos no chão à espera do Tite, que, antes de passar as instruções, tem o costume de se reunir com três ou quatro membros da comissão para definir o que será passado, em termos de mudança, a nós, jogadores. Enquanto ele não aparecia, individualmente alguns jogadores tomaram a palavra. Alessandro disse que estava ótimo e, se continuássemos assim, ganharíamos. Paulinho repetiu, cobrando ainda mais intensidade. Eu pedi calma, pois teríamos mais espaços para jogar e, se mantivéssemos a marcação, teríamos a bola do jogo nas nossas mãos. E assim foi, de boca em boca, que a confiança explodiu em nossos corações. Após o jogo, eu cheguei à conclusão de que, enquanto chegávamos ao vestiário pensando: “Caramba, dá pra ganhar”, o Chelsea foi para o intervalo pensando: “Caramba, dá pra perder”. E o que se viu no segundo tempo foi exatamente isso. O gol do Guerrero veio coroar um segundo tempo magistral que fizemos. Fábio Santos e Danilo tabelavam pela esquerda como se estivessem na rua de casa. Paulinho se soltou mais e encontrou um buraco no meio-campo inglês. Jorge Henrique estava extenuado e, mesmo assim, não desistiu de nenhum lance. Nós, da defesa, mantivemos a coragem e seguramos a linha de quatro o mais alto possível. Enquanto Alessandro barrava o melhor jogador da equipe londrina, Cássio fazia seus milagres no estádio de Yokohama. Emerson Sheik aproveitou sua malandragem para expulsar o zagueiro adversário e o Ralf corria três vezes mais que qualquer um de nós. Depois, Wallace entrou para segurar a bola aérea e o guerreiro Paolo deu lugar para Martínez.

Quando o juiz decretou o fim do jogo, só consegui dizer: “Campeão do Mundo, Campeão do Mundo, Campeão do Mundo!” A cabeça percorreu o estádio, pensou em cada corintiano que atravessou os continentes e estava ali testemunhando aquela noite inesquecível. Procurei meu pai e meu irmão por duas voltas olímpicas, mas não os encontrei. Só abraçaria os dois loucos lá de casa no dia seguinte, no café da manhã. Dei algumas entrevistas. O sorriso não saía do rosto.

Voltamos ao hotel. Tomamos champanhe, cerveja, refrigerante e comemos, pela primeira vez em 15 dias no Japão, a verdadeira comida japonesa, com sushi e sashimi à vontade. Depois da celebração com toda a comissão e funcionários, subimos aos quartos para arrumar as malas. Fábio Santos, Douglas, Sheik, William Arão, Bruno Mazzioti, Edu Gaspar (gerente de futebol), Cleber (auxiliar do Tite), Duílio Monteiro Alves (diretor-adjunto de futebol), Roberto Andrade (diretor de futebol) e eu sentamos no chão do corredor do hotel e, como bons amigos de uma jornada incrível, começamos a conversar sobre toda a nossa caminhada até ali. Outros jogadores foram se aconchegando e o papo não teve fim. Ficamos até as 6h da manhã dividindo histórias e rindo da vida. Lembranças, amigos e sentimentos que jamais deixarão o meu coração e a minha mente. Somos campeões do mundo! Mas esse mesmo coração já começa a vislumbrar 2013 e quer voltar a bater acelerado com  novas conquistas e grandes histórias. Quem sabe não voltarei aqui para contá-las?

Nota: Essa é a minha versão dos fatos, com as palavras, horários e dados que ficaram em minha memória. Direto do aeroporto de Los Angeles, onde aguardo minha conexão para as merecidas férias, Paulo André.

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