sábado, 11 de março de 2017

Vídeo: Paulo André no No Ar com André Henning

Assista aqui à entrevista completa de Paulo André no programa No Ar com André Henning, que foi ao ar na última quinta, dia 9. Nela, ele fala de sua carreira, do Bom Senso, de seu livro "O Jogo da Minha Vida" e muito mais.




Confira também o jogador escalando seu time em "Os Onze Paulo André":

domingo, 5 de março de 2017

Paulo André estará no No Ar com André Henning desta quinta-feira

Paulo André é o convidado do programa No Ar com André Henning, do canal Esporte Interativo, que vai ao ar nesta quinta-feira, 9, às 22h30 (Brasília). O apresentador fez o anúncio em seu Twitter ontem:


E hoje Paulo postou uma foto do programa em seu Instagram:

No Ar com @andrehenning3 , na próxima quinta feira, as 22h30 (Esporte Interativo). "Tenho a idade em que as coisas são vistas com mais calma, mas com o interesse de seguir crescendo. Tenho os anos em que o amor, às vezes, é uma chama louca, ansiosa para se consumir no fogo de uma paixão desejada. E em outras, uma corrente de paz, como um entardecer na praia. Quantos anos eu tenho? Não preciso de números para marcar, pois meus anseios alcançados, as lágrimas que derramei pelo caminho, ao ver meus sonhos destruídos…. Valem muito mais que isso. Não importa se faço vinte, quarenta ou sessenta! O que importa é a idade que eu sinto. Tenho os anos de que preciso para viver livre e sem medos, pois levo comigo a experiência adquirida e a força de meus anseios. Quantos anos tenho? Isso não importa a ninguém! Tenho os anos necessários para perder o medo e fazer o que quero e sinto". – José Saramago –
Uma publicação compartilhada por Paulo André (@pauloandreofficial) em

sexta-feira, 22 de agosto de 2014

Exame.com: A entrevista destemida e exclusiva de Paulo André

Leia a entrevista de Paulo André com Vinícius Lordello publicada hoje no blog Esporte Executivo, do site da revista Exame:



Paulo André se destacou nos últimos anos como zagueiro do Corinthians. Com ele em campo, o clube conquistou o campeonato mundial de clubes de 2012. Mas se dentro de campo Paulo André se tornou exemplo para novos jogadores, fora de campo se tornou líder do Bom Senso FC, grupo de jogadores que defendem melhores condições para o futebol brasileiro. Paulo André é ferrenho defensor da modernização do esporte e, mais especificamente, o futebol. Suas maiores armas, contudo, são a capacidade de raciocínio e articulação. Aliado a isso, uma coragem poucas vezes vista na história do nosso esporte.

O Esporte Executivo conseguiu uma entrevista especial com o homem que, mesmo morando e jogando atualmente na China, está mais presente no futebol brasileiro que muitos dirigentes que moram em nossas capitais. Em pauta, a gestão do esporte brasileiro. E a prévia confissão deste blogueiro que, estupefato, teve dificuldades em acreditar na qualidade e ousadia das respostas cirúrgicas de Paulo André:

Esporte Executivo / Exame.com: Você sempre se destacou, entre outras coisas, pela habilidade na comunicação. Os atletas de quaisquer esportes, quando conseguem se desenvolver neste aspecto, tendem a ser mais valorizados por seus clubes ou são vistos como ameaça?
 
Paulo André: No esporte de alto rendimento o atleta é cobrado diariamente pelos resultados, por sua performance. A boa comunicação pode auxiliar no dia-a-dia com os companheiros, com a comissão técnica ou em situações delicadas diante da imprensa. Mas se os resultados não forem positivos, de nada adianta se comunicar bem. Por outro lado, se os resultados forem positivos e o atleta souber usar sua exposição midiática para defender uma posição, ideia ou ideal, de fato, ele poderá ser mais valorizado e mais criticado também.

Pensando apenas no Brasil, você consegue enxergar algum esporte que tenha desenvolvido sua gestão conforme você imagina ser possível no futebol?

Eu acho que o Comitê Paralímpico tem feito um grande trabalho, especialmente sob a gestão do Andrew. Houve uma profissionalização na maneira de se administrar as modalidades, fazendo com que as decisões sejam mais técnicas e menos políticas. O estatuto é democrático, limita os mandatos e dá voz aos atletas. Por isso os resultados são expressivos.

O Bom Senso FC já tem quase um ano de vida. Pensa que avançaram, como grupo, conforme imaginaram? Atualmente estão além ou aquém do que imaginariam estar nesta fase?

Acredito que os avanços foram significativos. Há um ano era impossível imaginar que os atletas de futebol, uma categoria historicamente desunida e desinteressada, poderiam iniciar um movimento como esse. Conseguimos duas audiências com a Presidente da República, freamos a LRFE e conseguimos acrescentar emendas ao projeto. Mais do que isso, o nível de discussão acerca das mazelas do futebol brasileiro evoluiu muito desde que levantamos nossas bandeiras e apresentamos as nossas propostas. A CBF não pode deixar de dar ouvido aos principais atores do esporte que ela administra. Ganhamos o apoio dos treinadores, dos executivos do futebol, das atletas do futebol feminino e do beach soccer, todos insatisfeitos com a inércia da entidade que só se preocupa com a Seleção do Brasil e com os R$ 400 milhões de patrocínio.

Sua liderança é natural no Bom Senso. Vocês têm formalizado internamente as lideranças ou isso acontece organicamente? Como se organizam?

Sabendo da escassez de tempo dos atletas devido a rotina de jogos, optamos, em janeiro, por montar uma equipe profissional, capaz de estruturar o movimento, fazer pesquisas, organizar as pautas e as agendas, reunir as vozes e alinhar o discurso. Esse grupo é responsável por fornecer material e informação para que os atletas possam tomar as decisões, de acordo com a vontade da maioria. Dentre os atletas, alguns participam mais e outros menos. Uns gostam de opinar, outros preferem apenas apoiar. Como o medo de retaliação ainda é muito grande, quem dá a cara nas entrevistas e nos eventos públicos são os jogadores de maior renome e de maior estabilidade, não porque estão atuando em causa própria, mas porque é muito mais difícil sofrerem pressão dos clubes e dos dirigentes. Em pleno século XXI, o futebol brasileiro ainda tem ranços fortíssimos da ditadura. É só olhar o estatuto da CBF pra entender o que quero dizer.

Este blog Esporte Executivo sempre aponta que eventos esportivos no Brasil ainda não são vistos como uma plataforma maior de entretenimento. E justamente quem deveria se preocupar apenas com a parte principal do entretenimento (os atletas, com as partidas) passa a se preocupar com questões estruturais do esporte. Como jogadores, também se ressentem por não fazer parte de campeonatos mais completos ou as preocupações que defendem são prioritariamente focadas nas consequências que encontrarão dentro das quatro linhas?

Eu já cansei de dizer que o Bom Senso não é um sindicato de atletas que quer melhorias única e exclusivamente para a categoria. Exatamente por esse motivo tem o apoio da Associação dos Treinadores, dos Executivos do Futebol, das atletas do futebol feminino e dos jogadores do beach soccer. Movimento é muito mais amplo, defende a modernização do futebol nacional, a melhora do espetáculo, o fortalecimento dos clubes, a presença e a qualidade da experiência do torcedor no estádio, o aumento dos investimentos na capacitação dos treinadores e executivos, na formação de novos atletas e de outras modalidades (futebol feminino e beach soccer). Ou seja, tudo o que a CBF deveria fazer e não faz. E tudo que os clubes deveriam exigir e não exigem por medo de retaliação ou por terem rabo preso com o sistema (adiantamento de verbas, etc…). Os atletas, dentre os “atores” mais importantes do futebol – CBF, Clubes e jogadores -, foram os primeiros a perceber e ter coragem que é necessário enfrentar o status quo político burocrático que se sustenta no art. 217, inciso I da Constituição, e lutar por uma reforma no nosso futebol para salva-lo das mãos incompetentes dos cartolas que nos enfiaram num buraco bem fundo.

O argumento de alguns é de que, olhando para os demais países da América Latina, a estrutura do futebol no Brasil está mais evoluída. O que pensa sobre este argumento? Se discorda, pode o Brasil liderar essa evolução continental?

O Brasil tem a maior economia da América Latina, tem mais tradição e mais títulos no futebol, logo, não há do que se vangloriar por ter a estrutura de futebol mais evoluída da região. É apenas uma obrigação. Sem dúvida o Brasil, olhando para os seus interesses e percebendo que está atrasado com relação aos avanços estruturais do futebol europeu, precisa assumir o seu papel de liderança e comandar esse processo de evolução do futebol continental. A Comenbol e suas competições são uma tristeza se comparadas ao que poderiam ser (não comparo nem com a Champions League porque seria injusto). Mas antes de qualquer pretensão internacional, é preciso resolver nossos problemas internos. Se falta vontade política e conhecimento técnico para resolver as questões aqui, imagine as questões internacionais.

Vê na Conmebol alguma condição de auxiliar o futebol brasileiro nesta retomada?

Não.

Há atualmente uma grande discussão sobre a Lei de Responsabilidade Fiscal aos gestores esportivos. Ao que parece, o principal ponto de discordância para o Bom Senso é a falta de rigidez para com quem de fato não for responsável. Qual o risco que se corre ao refinanciar a dívida dos clubes sem exigir responsabilidade plena dos gestores? Mais que estagnação, há chance de retrocesso?

O risco é conceder o parcelamento, livrar a pele de um bando de dirigentes que poderiam ser julgados por crime de apropriação indébita (retenção do IR e INSS dos atletas e não repassado à União) e ainda ter que voltar a discutir o parcelamento das novas dívidas dos clubes daqui a alguns anos. O Reffis (último programa de resgate aos clubes) não completou nem 10 anos e já estamos, de novo, com R$4 bilhões em dívida. Não podemos cair no mesmo erro de novo. É um tremendo retrocesso, uma perda de tempo irrecuperável.

Vocês têm uma proposta bastante equilibrada quanto ao Fair-Play Financeiro. Este item, tanto quanto o calendário atual, parece dizimar o futebol brasileiro. Há apoio, por exemplo, do Governo federal para a criação dessa agência reguladora que controlaria as finanças dos clubes?

O Governo Federal entendeu que a LRFE do jeito que está não moralizará ou qualificará a gestão no futebol. A proposta do BS é para que haja um órgão que fiscalize não só a apresentação das CNDs, como propõe o projeto, mas fiscalize também o controle de déficit, o custo futebol, a padronização dos balanços dos clubes, o cumprimento da integralidade dos contratos de trabalho, etc. Para cada infração em qualquer um dos itens, há um tipo de punição. Nossa proposta visa prevenir as gestões temerárias, fortalecer os clubes e equilibrar a disputa entre eles (que cada um gaste apenas aquilo que arrecada). A partir daí, a discussão da divisão dos direitos de transmissão se farão ainda mais indispensáveis. Mas até lá, precisamos garantir que a casa esteja em ordem.

Como vê a arquitetura e gestão do futebol no Brasil? Conseguimos ajustar ou precisamos recomeçar?

Precisamos democratizar o estatuto da CBF. Essa é a pedra angular. Não podemos ser reféns de presidentes de Federações estaduais que estão há 20, 30 ou 40 anos no poder. Eles têm maioria no colégio eleitoral e impedem, via cláusula de barreira, qualquer possibilidade significativa de mudança de poder dentro da entidade. É preciso oxigenar a estrutura e qualificar os “tomadores de decisão” do futebol brasileiro. Outra coisa, dentro dos clubes, o nosso maior problema continua sendo o modelo jurídico das instituições esportivas, que foram forjadas na década de 40 durante o Estado Novo de Getúlio Vargas. Este mesmo formato cerceia o profissionalismo, ao não permitir profissionais remunerados nos cargos de decisão. Então oferecer benefícios fiscais no mínimo equivalentes aos que os clubes têm hoje (enquanto associações sem fins lucrativos) para fazer com que eles se tornem S/A é, na minha opinião, o melhor caminho para o futebol brasileiro.

Você enxerga como viável, considerando os pontos levantados pelo Bom Senso, que a recuperação do futebol brasileiro se dê com o atual formato e formação da CBF?

Não.

É contra ou a favor da criação de uma liga de clubes?  Qual modelo de liga fora do Brasil que mais o agrada? Aliás, vê algo na liga chinesa que possa ser implantado por aqui?
Sou a favor da Liga de Clubes. Acho que aceleraríamos o processo de modernização dos nossos campeonatos em 10 vezes. Os clubes precisam entender que vendem o mesmo produto, são adversários dentro de campo, mas precisam um do outro fora dele. Estão perdendo tempo e dinheiro deixando tudo na mão da CBF. O modelo inglês e alemão são admiráveis. A Liga Chinesa ainda tem um longo caminho a percorrer.

Se a favor de uma Liga, ficaria a CBF cuidando exclusivamente da seleção? Como imagina este desenho?

É aí que mora o perigo. Quando se fala em cuidar “exclusivamente” da Seleção, retiramos da CBF sua essência de existir. A CBF tem o dever de cuidar da Seleção (masculina, feminina, beach soccer), mas, mais importante do que isso, precisa reinvestir sua gigantesca arrecadação (oriunda do patrimônio nacional que é a própria Seleção) no fomento, no desenvolvimento e no aprimoramento do futebol em todas as suas dimensões – social, educacional, formação e alto rendimento. Essa é a principal responsabilidade de uma entidade que administra o desporto (futebol) nacional. Esse é o ponto. Da maneira como está constituída hoje, sem estudiosos, cientistas, treinadores e atletas em sua composição, você acha que ela tem capacidade de direcionar os investimentos de forma técnica e competente? Ela é tão incapaz que acredita que organizar competições juvenis e profissionais seja suficiente para fomentar e desenvolver o futebol brasileiro. É uma vergonha! E o pior, ninguém tem o direito de cobrá-la porque ela se ampara do Art. 217, inciso I da Constituição que lhe dá independência financeira e estatutária. Só os presidentes das federações, via Assembleia Geral, poderiam mudar isso. Ou seja, sentemos e choremos.

Há uma série de empresas que ainda não investe no futebol justamente por considerar um mercado inseguro pra isso, considerando planejamentos de longo prazo. E isso se dá desde os clubes da séria A, chegando àqueles que vocês consideram quase amadores, por trabalharem apenas quatro meses ao ano. Por que há tanta resistência à profissionalização no esporte?


Porque quando virar um negócio sério, os espertalhões pararão de mamar nas tetas da vaca. Enquanto eles forem maioria no colégio eleitoral, não permitirão a mudança. Os clubes precisam entender que há muito mais dinheiro por aí e que há muita gente querendo investir no futebol, mas só darão esse passo quando houver segurança e transparência na gestão dos clubes.

Teme que, justamente por sua liderança cerebral, sua volta ao futebol brasileiro seja dificultada no futuro? Porque os dirigentes parecem não gostar de quem emite opinião. Chegam a imaginar que, por não falar só sobre jogadas, táticas e técnicas, um jogador não está focado em sua principal atribuição. Enfim, ser bem articulado pode trazer consequências ruins para sua carreira como jogador?

Não gostam do debate aqueles que não conseguem sustentar suas ideias. Eu nunca faltei a um treino enquanto jogava no Corinthians. Pelo contrário, busquei trabalhar mais pois sabia que meu telhado era, a cada nova confrontação, de vidro. Conquistei 5 títulos, escrevi um livro e fiz um leilão beneficente de obras de arte (pós Mundial de clubes) que arrecadou R$ 800 mil reais. Ou seja, há vida antes, durante e depois do futebol. O que não há mais é espaço para dirigentes incompetentes que se utilizam de sua posição para ameaçar atletas, clubes ou quem quer que seja. Quanto as consequências, que cada um tenha consciência do caminho que escolheu. Eu faria tudo de novo. Nada do que me aconteceu ou me acontecerá me surpreende.

Se num passe de mágica, fosse oferecido a você hoje o cargo de líder da CBF, ou o Ministério do Esporte… Consegue se imaginar desde já com tais atribuições? Quando encerar a carreira de jogador, pretende ser ainda mais atuante para a reformulação do futebol brasileiro ou pretende se dedicar a aspirações menos públicas?

Eu confesso que vivo de paixão. Enquanto minhas ideias e meus ideais me despertarem interesse, lutarei por eles. Assim também é com a minha carreira de atleta, já que ainda sinto prazer e frio na barriga ao entrar em um estádio lotado. Enquanto isso acontecer, jogarei futebol. Ao mesmo tempo, enquanto eu acreditar no poder de transformação do futebol ou do esporte como um todo, estudarei e lutarei para que eles sejam mais democráticos e melhores.

Fonte: Exame.com

segunda-feira, 5 de maio de 2014

Paulo André: 'Uma paralisação no Campeonato Brasileiro se faz necessária'

Paulo André, 30 anos, não desistiu da luta. Há quase três meses o zagueiro trocou o Corinthians pelo Shanghai Shenhua, que disputa o Campeonato Chinês. Apesar da distância, continua envolvido com o Bom Senso FC e mantém opiniões fortes sobre o futebol brasileiro. Na entrevista a seguir, produzida após uma troca de e-mails, Paulo André fala sobre o risco de greve no Campeonato Brasileiro, violência, racismo e a vida na Ásia.



Faz dois meses que você mora na China. Já se adaptou?
Estou adaptado. Shanghai é uma cidade incrível, extremamente ocidentalizada e que tem praticamente o dobro do tamanho e da população de São Paulo. Estou aprendendo mandarim e me divertindo com a culinária asiática. Come-se muito bem por aqui. Quanto ao futebol, tudo é muito parecido. A rotina diária, os treinos e as viagens ocupam boa parte da semana mas tem-se uma vida mais tranquila por aqui.

Você foi bastante criticado quando decidiu trocar o Corinthians pelo futebol chinês. Houve quem disse que você abandonou a luta no Brasil. Como você lidou com esse tipo de reação?
A maioria das pessoas nunca está satisfeita e ao mesmo tempo nunca tira a bunda da cadeira para fazer alguma coisa. Eu fiz e continuo fazendo a minha parte. Tenho certeza de que ajudei a mostrar a muita gente que é preciso arregaçar as mangas e participar de práticas compatíveis com as mudanças que você deseja ao seu país, ao seu meio. Me criticaram porque eu comecei, me criticaram porque insisti e me criticaram depois. Uma coisa é clara, se você não quiser ser criticado, fique em casa e não faça nada. Eu nunca pretendi ser um salvador da pátria, apenas agi e falei de acordo com as coisas que acredito. E hoje quando vejo que a federação dos treinadores, a associação dos executivos do futebol e os sindicatos apoiam o Bom Senso, tenho certeza de que eu estava no caminho certo. Para mim é tão evidente que o futebol brasileiro, a CBF, as federações, os clubes, os atletas e as torcidas precisam de mudanças que tratei de fazer tudo que estava ao meu alcance para ajudar no processo de trazer à tona essas necessidades. A consciência do problema e a abertura do diálogo são os primeiros passos para qualquer processo de desenvolvimento. Agora, a indiferença da CBF para com esse tripé (atletas, treinadores e gerentes) que vive e produz o futebol no país é assustadora.

Na hora de tomar essa decisão, você avaliou a repercussão que teria?
Evidentemente que sim. Eu já havia recebido duas ofertas da Europa e estava pesando os prós e os contras desde dezembro. O Corinthians, a minha história no clube, a qualidade de vida que eu tinha em São Paulo e a luta pelo Bom Senso me faziam ter a certeza de que não seria por um salário maior que eu largaria tudo e iria embora. Havia uma coisa muito vantajosa na proposta dos italianos que era a estabilidade de dois anos e meio de contrato. Levei ao Corinthians essa questão. No dia 10 de janeiro entrei na sala do Mano Menezes e disse: "Estou com 30 anos, tive várias lesões na carreira, terminei o ano passado muito bem. O futebol é dinâmico e não se sabe o dia de amanhã. Não estou aqui pedindo aumento mas um ano e meio a mais de contrato representa muita coisa. Renovar ou sair será provavelmente o meu último bom contrato. Ele disse que eu tinha razão e levaria a questão à diretoria. O Edu Gaspar recebeu meu empresário e pediu uma semana para responder. Esperei até o dia 31 de janeiro quando fechou a janela para a Europa e acabei perdendo as negociações. Quando surgiu o negócio da China, estava muito claro para mim que o eu deveria fazer. Fui ao clube e pedi para ser liberado. Era hora de pensar no meu futuro.

Você avalia que seu afastamento (pelo menos geográfico) pode ter contribuído para fortalecer o movimento de alguma forma? Ou pelo menos para reduzir a impressão de que se tratava "de uma coisa do Paulo André"?
Eu acho que a continuação do movimento e o engajamento dos atletas nas últimas semanas fortaleceu o Bom Senso. Nunca foi uma coisa de dois ou três atletas. Isso foi o que a CBF e as federações tentaram passar ao publico para justificar sua inoperância e seu desinteresse em dialogar com os jogadores. Então faltar com respeito ao Paulo André porque acham que é uma coisa pessoal, tudo bem. O que não dá pra entender é como a CBF e as Federações desrespeitam os grandes atletas e não dão a mínima para suas opiniões e experiências. Estamos falando do Dida, Alex, Rogério Ceni, Juninho Pernambucano, Seedorf, Juan, D’Alessandro, Gilberto Silva, Fernando Prass, Lucio Flavio, Roberto e tantos outros…. O que esses senhores queriam? Que atletas mais jovens e menos estabilizados profissional e financeiramente tomassem a frente e discutissem com os poderosos ou se posicionassem contra eles? Nós não fizemos isso quando éramos mais jovens porque sentimos na pele a pressão. Sabemos onde o calo aperta para esses meninos e jamais colocaríamos isso em risco. Mas se pegarmos exemplos de greve nos últimos anos perceberemos que os atletas de maior expressão sempre estão a frente, dando a cara e defendendo os demais. Foi assim na Espanha há dois anos e foi assim na NBA há três

O movimento nasceu no segundo semestre do ano passado com muito barulho, muita repercussão. Hoje dá impressão de estar mais frio, menos intenso. É correta ou injusta essa avaliação?
O Bom Senso continua forte e trabalhando, a ponto de ter influenciado os rumos e as alterações promovidas pelo deputado Otávio Leite no texto do Proforte. Sete das nossas oito demandas de Jogo Limpo Financeiro estão contempladas na proposta. Ou seja, encontramos outros caminhos para fugir na inoperância e do desinteresse da CBF que, irritantemente, mantém sua política de tentar distrair e enfraquecer as demandas do movimento por meio do desrespeito aos principais atores do futebol nacional. O balanço anual dos clubes está por sair e o buraco negro do futebol brasileiro ficará cada dia mais evidente. Os clubes estão quebrados, mas a Seleção vai bem.

O Campeonato Brasileiro começou sem nenhuma grande manifestação por parte do Bom Senso FC. Vocês pretendem esperar a Copa passar?
Nós buscamos um meio legal para embasar a paralisação. O sindicato dos atletas trabalhou nisso nos últimos meses e hoje temos 30 elencos da primeira e segunda divisões assinando o apoio ao edital produzido pelo sindicato. Fazer as coisas de maneira correta leva mais tempo mas mostra a seriedade do movimento. E a paralisação se faz necessária pois é a única forma de colocar em risco a confortável posição dos políticos que controlam o futebol no país.

Vai ter greve?
O nome correto seria paralisação. Eu acredito que sim.

Marco Polo Del Nero foi eleito presidente da CBF sem ter oposição. O que acha disso?
Me interesso muito pouco pelas pessoas que disputam o poder. Me interessaria muito mais se elas tivessem projetos e divulgassem suas propostas. Como alguém pode ser eleito a alguma coisa sem apresentar sua plataforma de governo? O modelo político da CBF e Federações é retrógrado e não haverá solução enquanto continuar assim.

Essa oposição um dia pode sair dos jogadores?
Se o estatuto não mudar, não. É necessária a indicação de oito federações e cinco clubes. Você acha que algum deles tem coragem de ir contra quem está no comando? Essa primeira eleição pós Ricardo Teixeira é um bom exemplo para mostrar que o modelo eletivo precisa ser alterado e que os clubes das outras divisões e os atletas devem ter direito a voto.

Você pretende vir ao Brasil para assistir a jogos da Copa do Mundo?
Não terei tempo. O clube nos dará alguns dias de folga, mas insuficientes para que eu vá ao Brasil. Acompanharei de longe.

Você vem ao Brasil para votar? Tem candidato, tem partido?
O campeonato chinês acaba em novembro, impossibilitando a minha presença no período das eleições. Não tenho candidato nem partido, mas acompanho e gosto de política.

O que você pensa de movimentos como o "não vai ter Copa"?
Apoio as pessoas que se organizam, saem as ruas e protestam. Se fizerem tudo isso de forma pacífica e inteligente incomodarão e alcançarão seus objetivos. Mas infelizmente acho que nesse caso estão atrasados. Se tivessem começado em 2007 teriam contribuído muito mais. Confesso que em 2007 eu também não tinha essa visão e agora não há muito que se possa fazer. Atrapalhar o evento por atrapalhar prejudicará ainda mais a imagem do país para futuros investidores e turistas. Economicamente para o povo brasileiro, é melhor que tentemos fazer o melhor possível com o pouco que nos foi entregue pelos gestores desse evento. E que voltemos nossas "armas" para a fiscalização das contas e a punição dos culpados por esse caos e essa gastança desmesurada.

Sua saída do Corinthians se deu logo após a invasão do CT por parte de organizadas. O que você achou do episódio? Pergunto porque você era um jogador que costumava conversar com eles.
Foi um dos dias mais tristes da minha vida, não só pelo risco que corremos mas por tudo que se sucedeu depois. As reuniões, as decisões… É difícil explicar o que senti. Já haviam invadido o CT outras vezes (o mundo está tão de cabeça pra baixo que no Brasil achamos isso comum) mas o que aconteceu naquele dia foi completamente fora do normal. Por muito pouco não aconteceu uma grande desgraça. Da minha parte, em cinco anos de Corinthians, tirando três ou quatro encontros no CT, em que alguns integrantes das torcidas organizadas estiveram para cobrar e conversar com os jogadores, eu participei do carnaval de 2010 desfilando em cima de um dos carros da Gaviões e estive, a convite da diretoria da torcida, na quadra para uma reunião sobre o Bom Senso que aconteceu no final do ano passado. Para mim é muito claro que há pessoas boas e pessoas ruins. Pessoas que amam e pessoas que exploram. Não se pode generalizar e falar que ninguém presta e não se pode ser hipócrita ao ponto de dizer que podemos continuar como está. É preciso que as organizadas, os clubes, a CBF, e o poder público sentem numa mesa e façam um acordo para que as regras para as torcidas organizadas sejam mais específicas, que seus meios de sobrevivência e suas atividades sejam mais transparentes e melhor fiscalizadas, e que as punições, em caso de marginalidade (especialmente dentro ou em torno de um estádio de futebol), sejam mais severas.

Depois daquilo, três pessoas foram presas, mas acabaram soltas.
Eu não sou especialista em direito. Mas se o clube que foi invadido e as pessoas que foram agredidas não forneceram provas suficientes do que aconteceu aquele dia, não há como manter os três elementos na prisão. Agora, o juiz dizer que eles só queriam aparecer e demonstrar seu amor pelo clube é uma barbaridade. Ele está incentivando novas invasões como essa. Sua declaração foi desastrosa assim como o sumiço das imagens internas também o foi.

O que achou da atitude do Daniel Alves e da campanha do Neymar contra o racismo?
Acho importante conscientizar as pessoas de que somos todos iguais. O gesto do Daniel foi muito legal. As grandes estrelas têm um papel fundamental na luta contra o preconceito e, em ano de Copa do Mundo e eleições presidenciais, seria muito importante que eles continuassem atuando e participando de causas sociais importantes para o desenvolvimento do nosso país.

Há discussão sobre racismo no futebol da China também?
Acho que não. O maior ídolo do futebol chinês atualmente é o Muriqui.

Você já encontrou algum livro, ou filme, ou música, que te influenciou na carreira no campo?
Muitos. Eu não consigo separar o jogador do ser humano. Então tudo o que aprendo e adquiro de conhecimento fora de campo eu levo como bagagem pra dentro de campo, para o relacionamento com meus companheiros, para liderar um time, para suportar a pressão. Jogar futebol não é só jogar futebol, há uma grande complexidade e inúmeras variáveis. O filosofo português Manoel Sergio fala muito sobre isso e as biografias de André Agassi e Michael Jordan mostram o poder da mente dentro do jogo.

Quem te ensinou algo e ajudou a construir o zagueiro que você é?
As centenas de jogos que assistia quando morava nas arquibancadas do estádio do Morumbi entre 1998 e 2001. As grandes partidas de futebol do país aconteciam ali e eu tinha acesso à tudo aquilo. Eu costumava esquecer a bola e fixava meus olhos nas linhas defensivas. Acho que isso me fez entender melhor o jogo e fez com que eu me tornasse um jogador profissional apesar de algumas limitações, sobretudo físicas.

Numa conversa informal, você mencionou que "se não fosse o futebol, estaria no paraíso". Quer explicar melhor essa frase?
Quando você se acostuma a ganhar campeonatos, fazer parte de times vencedores, treinar e jogar no limite do suas forças, é dificil se adaptar a um estado mais calmo. Abrir mão desse sentimento e dessa busca de ser campeão é impossível para mim. Ganhar é um vício e perder dói demais. Então às vezes sofro por não conseguir colocar esse vontade na cabeça dos meus companheiros de time. Mas vou continuar tentando, os planos para a temporada que vem são audaciosos e até lá construiremos um time vencedor aqui também.

Pelo que você e ganha na China e pelo que liderou no Brasil, você valoriza mais crescimento econômico ou liberdade de expressão?
Sabemos que quando há um poder centralizador é mais fácil ditar os rumos da economia e consequentemente seu crescimento, mas como diria Winston Churchill, "ninguém pretende que a democracia seja perfeita ou sem defeito. Tem-se dito que a democracia é a pior forma de governo, salvo todas as demais formas que têm sido experimentadas de tempos em tempos". Agora, o pior dos mundos é a falsa ideia de democracia existente, como por exemplo, no estatuto da CBF. O modelo atual não traz crescimento (ao futebol brasileiro) e, ao mesmo tempo, não se abre para o debate e para novas ideias.

Quanto tempo ainda dura sua carreira de jogador? E depois, está claro o que vai fazer?
Não sei te dizer. Fisicamente vivo o meu melhor momento. Fiz mais de 100 jogos nos últimos dois anos. Se continuar assim vou aproveitar para esticar minha carreira. Aprendi que fazer planos é uma perda de tempo irrecuperável para a nossa vida. Nunca acertamos o que será de nós. De qualquer forma, estarei envolvido com o esporte. Essa é a grande paixão da minha vida.

quinta-feira, 24 de abril de 2014

"Quase de férias", Paulo André curte nova vida e liberdade na China

Zagueiro lamenta "enrolação" do Corinthians e explica saída rápida para jogar futebol do outro lado do mundo. Liderança no Bom Senso FC continua à distância


Por Rodrigo Faber
Xangai, China


A saída do zagueiro Paulo André do Corinthians se desenrolou em apenas quatro dias. Ele recebeu a proposta do Shanghai Shenhua em uma segunda-feira, 10 de fevereiro, e apenas três dias depois estava embarcando para a China. Dois meses depois, o balanço para o jogador é positivo: sem a tradicional pressão do futebol brasileiro, Paulo André se sente à vontade na nova casa. A milhares de quilômetros, ele continua conversando com os ex-companheiros de Timão, agindo diretamente no Bom Senso F.C. e curtindo a liberdade de viver sozinho. "Como um outro cara qualquer", e não como atleta de um dos maiores clubes do Brasil.

As dificuldades com o idioma e com a culinária completamente diferente da que estava habituado em seu país de origem foram os principais obstáculos encontrados pelo zagueiro. Até agora, o aprendizado foi básico: Paulo André sabe algumas orientações para usar dentro de campo, outras de direção - já que não pode dirigir, e só se locomove com táxis - e passa boa parte do tempo com um tradutor ao lado. Ainda assim, nada que tire dele a certeza de que tomou a decisão certa ao deixar o Corinthians após cinco anos no clube.

Os cinco títulos conquistados e o ápice da carreira vivido no Parque São Jorge ainda emocionam o jogador. Lembrar do dia a dia no CT Joaquim Grava, da proximidade com a família e com os amigos de longa data coloca um sorriso no rosto de Paulo André. Um contexto contrastante com a forma pela qual o zagueiro decidiu partir para a China. A passividade da diretoria e a invasão dos torcedores ao centro de treinamento, no dia 1° de fevereiro, deram a ele a certeza de que jogar no exterior e assumir um novo contrato, de dois anos de duração, era o melhor a fazer.

Foto: Rodrigo Faber

Paulo André recebeu duas ofertas de clubes italianos em dezembro do ano passado. Como o compromisso com o Timão duraria somente até o fim de 2014, a preocupação com o próprio futuro fez com que o zagueiro passasse a considerar a ideia de encarar um novo desafio. Assim que Mano Menezes assumiu o comando, o jogador o chamou para uma conversa particular e expôs a situação. Fez o mesmo com Edu Gaspar, gerente de futebol. A resposta sobre uma possível renovação não veio, e a chance de ganhar mais falou mais alto. O defensor partiu para a China.

- O Corinthians enrolou, o Edu e a diretoria acabaram não respondendo até o dia 31 (de janeiro), e eu perdi essas duas ofertas. No dia 1° de fevereiro aconteceu a invasão. No final das contas, eu senti que talvez o Corinthians não fosse renovar comigo. Quando apareceu a proposta da China, eu tive certeza que era o caminho que eu deveria seguir. Era uma questão financeira melhor e a estabilidade de dois anos de contrato - explicou.

Do outro lado do mundo, Paulo André continua envolvido com os problemas do futebol brasileiro. Já pensa em escrever outro livro, contando mais sobre os bastidores e a questão política do esporte. A reportagem visitou o Shenhua Kangqiao Training Base, centro de treinamento do Shanghai Shenhua, e conheceu a nova rotina do zagueiro. Do alívio por não ser incomodado ao tomar cerveja às questões culturais da China, o brasileiro detalha abaixo por que se sente "quase de férias" jogando na Ásia.

Confira na íntegra a entrevista com o zagueiro Paulo André:

GloboEsporte.com - Como é o dia do Paulo André em Xangai, da hora em que acorda até a hora de dormir?
Paulo André - Acordo cedo, estudo, tento fazer alguns exercícios de chinês. Quando preciso, vou ao mercado andando e volto andando. Tudo aqui eu faço com táxi, porque não tenho carro, aqui não posso dirigir. Almoço em algum canto perto do apartamento, sozinho, e depois tem o motorista do clube, que nos traz para treinar. É quase uma van pegando todos os estrangeiros. Por volta de 6 ou 7 estou em casa de novo, saio para jantar e à noite eu durmo. Estou quase de férias aqui. É uma vida bem tranquila e gostosa.

Qual a principal diferença na sua rotina, pessoal e profissionalmente?
A velocidade é outra. Aqui eu tenho menos compromissos, menos amigos e coisas a fazer. Eu consigo parar, pensar, ler... Ou seja, tenho mais tempo pra mim. Essa é a maior diferença. Dentro de campo, o dia-a-dia dos treinamentos é muito parecido. Os jogos também: dias de jogos, concentrações, quase a mesma coisa. Evidentemente, temos menos jogos, então sobra mais tempo para ficar em casa. Essa é a maior diferença.

Foto: Reprodução

Como você está se virando com o idioma, dentro e fora de campo?
Estou fazendo aulas, me dedicando. Um dos objetivos vindo pra cá era aprender o mandarim. Tem sido legal, mas é bem difícil. Acho que estou evoluindo rápido. O pessoal está surpreso com as palavras que eu falo quando tento. Aprendi algumas palavras, pedir para o pessoal sair, entrar, marcar. Tem um coreano que joga do meu lado e também não entende chinês ou fala inglês. É complicado e prejudica bastante, mas o futebol ainda tem uma certa linguagem única que você consegue, olhando e fazendo gestos, que você consegue se fazer compreender. (veja no vídeo as palavras que Paulo André aprendeu).

E a comida?
Eu tive uma pré-temporada na Coreia com eles e só tinha comida chinesa. Aí foi pesado. Muita coisa do mar, tinha polvo vivo, por exemplo. Aí eu não como. Mas eles conseguem fazer uma comida específica para os sul-americanos que estão aqui. Na pior das hipóteses, arroz e ovo tem. (risos) Fora do clube, na cidade, tem de tudo. Uma grande variedade e uma qualidade muito grande.

Você disse que sua vida aqui é tranquila. Não ter mais a pressão do torcedor é um alívio para você?
É muito mais tranquilo do que São Paulo, porque lá não podíamos sair tanto. Você não pode ir ao shopping e ficar andando, ir a uma balada e ficar à vontade. Aqui ninguém me conhece, sabe quem eu sou. Você tem liberdade de fazer o que quiser e a hora que quiser. Em São Paulo eu não poderia postar foto no Instagram tomando uma cerveja. Aqui o pessoal elogia, acha normal, até porque há um respeito. Você trabalha na hora que tem de trabalhar e se diverte, cuida da vida quando tem que cuidar. Essa liberdade, essa vida mais tranquila, tem me feito muito bem.

Aqui o Paulo André é mais um, e não o zagueiro do Corinthians. É isso?
Fica de lado um pouco o personagem, o jogador de futebol, e entra o ser humano, tentando se encontrar no mundo. É isso que me diverte, porque qualquer lugar que sento para conversar com alguém, trocar uma ideia, não sou mais o jogador do Corinthians, o famoso que tem isso ou aquilo, eu sou um cara normal que está sentado num restaurante e numa balada, tentando começar alguma coisa. Parece esquisito, mas é legal para caramba.

Foto: Reprodução
O futebol chinês te faz sentir falta de algo do futebol brasileiro?
Estou com 30 anos, e ainda sinto falta da competição, do alto nível, de poder brigar pelo título, lutar todo fim de semana por vitória. Ainda não estou preparado para isso. Às vezes o pessoal vem para a China com aquela ideia de encostar, ganhar dinheiro e ficar de boa. Perder ainda me incomoda, como incomodava no Corinthians. É meu, interno, independentemente da cobrança do torcedor, do clube, da imprensa. Aqui não tem isso, mas minha cobrança interna continua sendo a mesma, e a dedicação também. Nesse quesito, pra mim não muda muito.

Muitos estrangeiros vêm para a China. Aqui em Xangai tivemos Drogba e Anelka. Esse contato com jogadores de outros lugares pode fazer com que o futebol daqui evolua?
Eles são esforçados, trabalhadores, mas ainda falta aquela malandragem e a inteligência de jogo. É difícil encontrar pelo mundo, mas o brasileiro tem quase que do ventre da mãe. Acho que eles ainda têm um caminho a trilhar, mas têm feito investimentos nas categorias de base. Pela quantidade de gente que eles têm no país, daqui a pouco vai dar para extrair coisa boa.

Como funciona a torcida na China? Cobra tanto quanto no Brasil ou é outra cultura?
A torcida é muito educada, assim como na Europa. Perdemos um jogo por 3 a 1 em casa, tinha 20 mil pessoas, e demos a volta batendo palmas, agradecendo o apoio, e eles retribuíram. É uma relação um pouco diferente. Tem vaia e cobrança, mas acabou o jogo, desde que façamos o melhor, eles reconhecem e aplaudem. No Brasil, é mais passional o negócio. É melhor o céu e muito pior o inferno. Pela demanda, é quase desumano o que sofrem os atletas no Brasil. Acabam não dando valor porque poucos atletas expõem isso pra mídia, mas é muito pesado. O cara tem de ter uma cabeça muito boa para conseguir jogar quarta e domingo, ganhando ou perdendo, sendo criticado, e continuar focado.

Foto: Rodrigo Faber

O que faz um jogador sair do país de origem e vir para o outro lado do mundo jogar futebol, precisando se adaptar a uma realidade completamente diferente?
É o investimento. Os contratos são bons, a vida não é tão ruim como talvez fosse antigamente. Eu tenho uma vida em Xangai muito parecida com a que eu tinha em São Paulo, mas com um contrato melhor do que o que eu tinha no Corinthians. Isso pesa e você fala: Por que não? Tem um ganho cultural, de liberdade e tranquilidade, que também pesa.

Você achou que fosse se aposentar no Corinthians e acabou criticado por alguns torcedores ao deixar o clube. As torcidas mais atrapalham do que ajudam os jogadores de futebol?
A relação é burra. O cara pede o tempo inteiro para o jogador ficar a vida inteira no clube, ser apaixonado, defender, e três jogos depois, quando talvez não tenha jogado bem, a torcida cai matando em cima e tira o jogador de lá. É um pouco estúpido o romantismo de dizer que antigamente se ficava dez anos no mesmo clube, que havia uma relação mais próxima. Isso não existe. Futebol é resultado. Se você ganhar, fica. Se perder, não fica. É opção de vida. Eu pensei que fosse encerrar minha carreira no Corinthians, tinha uma estabilidade e conquistas que me faziam crer que seria o melhor caminho. Cada um tem uma história, uma fase.

Mas as críticas te incomodam, ou você prefere levar em conta o que é melhor para você mesmo?
Quando eu tinha 22 anos, recebi uma oferta da Coreia para ganhar 10 vezes mais do que eu ganhava no Atlético Paranaense, e naquela época não aceitei, porque não era o meu projeto de vida. Desde que você tenha consciência da sua escolha. Você tem de fazer o que é melhor para você mesmo, porque quem vai aguentar o pepino, ficando lá ou aqui, é você. O resto não tem nada a ver com isso.

Foto: Reprodução

Sua saída do Corinthians foi muito rápida. O que aconteceu, de fato? A invasão dos torcedores ao CT foi a gota d'água?
Eu tinha duas ofertas da Itália e desde dezembro eu vinha pesando a questão financeira, cultural e da tranquilidade de morar na Europa contra a minha história no Corinthians, a paixão pelo clube, tudo o que eu tinha conquistado ali, e também a questão do Bom Senso, que para mim era importante. Eu vinha desde dezembro maturando a ideia e pesando prós e contras. Quando chegou em janeiro, sentei com o Mano Menezes e expus: a Itália me oferece dois anos de contrato, e no Corinthians tenho mais 11 meses. Preciso de uma garantia. Não é por um pouco a mais ou a menos de dinheiro que vou sair. Eu gosto daqui e quero ficar aqui, mas preciso de uma estabilidade. Um ano ou um ano e meio de contrato, porque você sabe como é futebol. Se amanhã me machuco ou você me coloca no banco, eu não consigo renovar o contrato e perdi uma baita chance. Quando apareceu a proposta da China, eu tive certeza que era o caminho que eu deveria seguir. Era uma questão financeira melhor e a estabilidade de dois anos de contrato.

Ficou uma mágoa com a diretoria?
O clube tem o direito de querer renovar ou não. Talvez pela história que tive, a amizade que tive com todo mundo, fosse o caso de chegar e me falar: "Olha, a gente não vai renovar, não pode renovar, tem uma pressão para que não se renove...". Não teria problema nenhum. Talvez isso tenha sido mal feito da parte deles. Mas fica a amizade, principalmente com o Edu, com quem joguei, o Mário Gobbi, que foi responsável por renovar meu contrato duas vezes lá, o Andrés (Sanchez), Roberto (de Andrade), Duílio (Monteiro Alves), que são grandes amigos... Uma coisa é o profissional, outra é o pessoal. Eu não misturo, tenho certeza que eles também não.

O Corinthians representou o ápice da sua carreira? Já caiu a ficha de que você deixou o clube onde foi campeão mundial?
Sem dúvida. Pelos títulos, tudo o que vivi ali. Quando cheguei lá, joguei com o Ronaldo. Isso é o sonho de qualquer um da minha idade, poder jogar com ele, com o Roberto Carlos. Ser campeão da Libertadores e do Mundial no Japão, pelo Corinthians, posso te afirmar que só depois que cheguei aqui foi que a ficha caiu. Toda história e tudo o que estávamos fazendo lá. Até isso tem me feito bem aqui na China, para reconhecer que tudo valeu a pena e que o sacrifício foi recompensado naquele momento.

O dia a dia do futebol faz com que os jogadores esqueçam que têm carreiras curtas e que é preciso pensar no futuro após a aposentadoria?
Estudos dizem que 60% ou 70% dos atletas no mundo acabam a carreira em vias de ir à falência ou depois de dois anos que encerraram suas carreiras já faliram. É geral isso. É um dinheiro que parece fácil, e a preparação e a educação dos atletas que vêm de origem humilde e talvez não tenham preparação para lidar com toda essa exposição acabam prejudicando e iludindo. Sempre falei nas minhas entrevistas: eu estou no Corinthians, estou bonito, legal, divertido, e sempre tive muita consciência. O Sócrates sempre me falou isso: o jogador de futebol morre duas vezes. E morre muito cedo na primeira vez. Se não estiver preparado para isso, você vai sofrer o resto da vida. Nada se compara às emoções e tensões que vivemos dentro de campo.

Foto: Reprodução

Muitos jogadores vêm para a China passam pouco tempo e voltam para o Brasil. Hoje, você já sabe se prolongaria o contrato para mais de dois anos?
Se tudo der certo e quiserem que eu fique, ficaria numa boa. Estou muito tranquilo, a cidade me agrada, mas não sei o que vou fazer da vida, se vou aposentar, voltar para o Brasil e jogar mais um ano, ficar aqui e encerrar. É muito cedo ainda para decidir a minha vida. Nem entre China e Brasil, mas sim futebol e aposentadoria.

E já passa pela sua cabeça uma média de idade para se aposentar?
Eu achei que fosse parar com 30 e já passei. Fisicamente vivo meu melhor momento. Fiz mais de 100 jogos nos últimos dois anos e não sinto dor nenhuma nos joelhos. Depois de sete cirurgias, que é uma coisa quase impossível. No final das contas, vou indo e me divertindo. Enquanto estiver legal e eu estiver sentindo esse frio na barriga de jogar futebol, de tentar ser melhor a cada dia, vou continuando.

A diferença de fuso horário te distanciou do Bom Senso ou você continua na ativa, como um dos líderes?
Temos "calls" quase que semanais para discutir assuntos, alinhar, saber se vamos a favor ou contra. Dou meus pitacos, não consigo ficar quieto. O Dida (Internacional), o Alex (Coritiba), o Prass (Palmeiras), o Roberto (Ponte Preta), o Rogério Ceni (São Paulo) estão fazendo um grande trabalho, tocando muito bem o projeto. Acho que este ano, no início do Brasileiro, surpresas serão feitas para que consigamos nos fazer presentes para tentar melhorar o futebol brasileiro.

Você já pensa em escrever outro livro, com as histórias que viver na China?
Tenho muita coisa para contar desde o final do último livro. Outro dia me sentei em um restaurante, um lugar bonito, e pensei que se eu sentasse ali todo dia faria um livro em seis meses. Tem tempo e tem cabeça fresca para lembrar das histórias. Tem título para caramba do Corinthians, Mundial, Bom Senso... Tem muita reflexão sobre esses últimos três anos.

Mas qual seria a ideia principal? Na outra obra, você falou sobre as dificuldades da carreira de um jogador de futebol, desde a base até se tornar profissional.
Teria um viés político e um lado bastidores que ninguém imagina o que acontece realmente por trás do pano. Como se faz para ganhar um campeonato, o que acontece, o que acontece quando um jogador é demitido ou afastado. Tivemos alguns casos no Corinthians nos últimos anos. Conversas com treinador no vestiário. As pessoas têm curiosidade de saber o que acontece. Talvez começar por esse lado e terminar com a questão política, que é importante.

Você disse que o futebol chinês está evoluindo nas categorias de base. Seria uma lição para o Brasil?
Para o futebol brasileiro falta estudo, método, conceito. Produzimos os melhores jogadores do mundo - produzia, né, agora produz muito menos - por achismo. Porque é um talento quase nato. Mas o que desperdiçamos de talento também é fora do comum. Precisamos evoluir nesse quesito, formar melhores treinadores, para que formem melhores jogadores. É nesse ponto que estamos tentando mostrar a necessidade para a CBF, para os clubes, para as federações. É fundamental. Sem isso, o Brasil vai ficar para trás, como já está ficando.

Foto: Reprodução
Fonte (+ vídeo): Globo Esporte

quarta-feira, 26 de março de 2014

Blog do Juca Kfouri: "Paulo André chuta o balde!"

Fonte: UOL


Diretamente da China, o zagueiro Paulo André, um dos líderes do Bom Senso FC, respondeu por escrito às perguntas do repórter Cosme Rimoli, que as publicou em seu blog, aqui reproduzidas:

Você era o grande líder do Bom Senso no país. Quem melhor se expressava. Teve proposta para ir jogar na Itália, não foi. Depois acerta com a China, logo depois da invasão de vândalos no Corinthians. Tudo ficou solto e parecendo represália sua pela maneira com que o futebol é conduzido no seu ex-clube, no Brasil…

Eu já havia recebido duas ofertas da Europa e estava pesando os prós e os contras desde dezembro. A paixão pelo Corinthians, a minha história no clube, a qualidade de vida que eu tinha em São Paulo e a luta pelo Bom Senso me faziam ter a certeza de que não seria 50 mil a mais ou 50 mil a menos que me fariam largar tudo e ir embora para outro país. No dia 10 de janeiro entrei na sala do Mano Menezes e expus com transparencia o que estava acontecendo. Eu estava com 30 anos, havia tido lesões sérias ao longo da minha carreira e eu precisava de uma posição dele e do clube quanto a prorrogação do meu contrato. Deixei claro que eu não estava ali para pedir aumento. Eu queria estender o contrato para ter estabilidade já que os italianos me ofereciam dois anos e meio de contrato e no Corinthians eu tinha apenas mais onze meses. A renovação ou a saída representavam, provavelmente, meu “último bom contrato” e como eu havia terminado 2013 muito bem, era a hora de fazer isso. Edu Gaspar recebeu meu empresário e pediu uma semana para dar uma resposta. Por confiar demais, esperei até o dia 31 de janeiro, a janela de transferencias para a Europa se fechou e consequentemente acabei perdendo o negócio. Então quando surgiu a proposta da China, estava muito claro para mim o que eu deveria fazer. Fui ao clube e pedi para ser liberado. O pior cego é aquele que não ver ver. Simples assim.

Que sentimento domina a sua alma ao saber que só três pessoas foram detidas entre as quase 200 que invadiram o CT do Corinthians? E elas acabam de ser liberadas, com o juiz garantindo que elas só queriam mostrar seu amor ao clube? Sinceramente…

É a porra do Brasil, como diria Renato Russo. A declaração do juiz foi desastrosa, ele não tem ideia do que passamos naquele fatídico dia. Ele está incentivando novas ações como essa. É uma vergonha. A impunidade é o grande mal do nosso país. Essa semana o presidente do Comercial de Ribeirão Preto deu entrevista dizendo que não pagaria seus atletas, seu segurança ameaçou os jogadores com uma arma e nada vai acontecer. Precisa de mais alguma confissão para o cara ser banido do futebol? E ainda veremos mais 3 ou 4 casos de ameaças e agressão a atletas de futebol no Brasil esse ano. Pode escrever. Até o dia em que alguém morrer. Daí aparece um promotor/justiceiro para cuidar do caso. O Brasil é o país do deixa para depois que a gente resolve. Lembre-se de uma coisa: todos os anos quatro times cairão, outros tantos irão jogar muito abaixo das expectativas e apenas um será campeão. Só não assino um papel em branco com essa informação porque quem organiza o campeonato é a CBF e nunca se sabe quantos clubes cairão de verdade.

Por que os treinadores de grandes times e mesmo o Felipão não aderem ao calendário apresentado pelo Bom Senso?

Os treinadores de grandes times aderiram ao Bom Senso. Inclusive participaram do video que o movimento produziu no inicio do ano. Muricy Ramalho, Gilson Kleina, Oswaldo de Oliveira, Vagner Mancini, Renato Gaúcho, Tite e muitos outros apoiaram o movimento publicamente. E agora temos o apoio da Federação dos Treinados e da Associação dos Executivos de futebol. Ou seja, não é possivel que esse tripé que vivencia diariamente o futebol esteja falando besteira e apoiando o lado errado. Eles, historicamente, nunca entraram nesse tipo de discussão e sabemos que não entrariam se não tivessem certeza do que estão defendendo. Mas CBF e as Federações não dão a mínima para isso.

Na proposta apresentada pelo Bom Senso, com até Série E, haverá milhares de jogos entre equipes muito pequenas. Mas que não despertam o menor interesse. Com estádios vazios, como os clubes pagarão esses 12 mil jogadores?

Cosme, o Bom Senso está preparando essa resposta para dar de forma oficial. Então não vou adiantar nada aqui, tudo bem?

No começo muita gente considerava o BS um movimento elitista. Mas os clubes grandes não são os grandes massacrados no calendário brasileiro nas últimas décadas?

Todos os clubes tem sido massacrados. Uns porque jogam demais e outros porque jogam de menos. Só algumas poucas pessoas continuam ganhando com esse caos ao longo de todo esse tempo. O que não entendo é porque os clubes tem tanto medo de retaliação. Parece que estão se posicionando contra a máfia nos seus tempos aureos. Quando os clubes entenderem que vendem o mesmo produto e que são aliados fora de campo, veremos uma luz no fim do túnel. Não há Grêmio sem Inter ou Inter sem Grêmio. Não há Atlético sem Coritiba ou Coritiba sem Atlético. E assim por diante…

Há como fazer um calendário decente sem afetar o desejo da televisão? Seja a Globo ou quem for a dona dos direitos de transmissão não irá pensar primeiro na sua grade de programação?

Mas essa é uma questão clara. A Globo está no negócio para ganhar dinheiro. Ela não quer saber se os jogadores recebem em dia, se a qualidade está boa ou poderia ser melhorada, muito menos se os estádios estão cheios. E o pior é que ela está no direito dela. Quanto mais endividados e dependentes forem os clubes, menos ela pagará pelo campeonato e mais mandará em tudo. O que eu não entendo é a CBF não se preocupar com tudo que envolve o futebol brasileiro. Desde a qualidade dos gramados, a iluminação dos estádios, as instalações da imprensa, a segurança dos torcedores, o horário de jogos, a super dependência de seus filiados aos direitos de transmissão da TV, o adiantamento descabido desses direitos, a falta do pagamento aos atletas, a falta de pagamento dos impostos ao governo, a capacitação de gestores e treinadores que ditarão os rumos do nosso futebol, a formação de novos atletas à moda brasileira, etc… Ela diz não ter nada a ver com tudo isso. Tem que ficar claro que a CBF tem uma responsabilidade gerencial e social sobre o futebol que é estatutária, ela não pode se fazer de simples intermediária e se isentar de mexer nas feridas ou de desenvolver soluções para os nossos problemas. Até porque o resultado de tudo isso é o afastamento de pessoas e empresas sérias do meio do futebol e a desvalorização do produto final que é razão da existencia da própria entidade. Mas como a Seleção vai bem, e vende patrocinio a torto e a direito, que se danem os outros. Quanto ao calendário, não existe um ideal mas há muitos que são melhores do que o atual e dá pra trabalhar com a TV num modelo ganha-ganha. Basta vontade política para tal.

Adequar o calendário brasileiro ao europeu não seria muito melhor aos clubes grandes?

Sem dúvida nenhuma. Essa é uma opinião pessoal minha. Para fortalecer o futebol brasileiro, aumentar o intercambio de experiencias e a visibilidade dos nossos clubes lá fora, é necessário adequar o nosso calendário. O primeiro problema é que mexer nesse vespeiro é ir diretamente para o choque com a TV GLOBO. O Marcelo Campos Pinto diz que dezembro e janeiro a audiencia do futebol é muito baixa e isso ocasionaria uma redução das cotas dos anunciantes. Consequentemente o direito de transmissão pago aos clubes seria menor. É assim que se emperra a máquina. Os clubes não querem menos dinheiro no curto prazo e então ninguém se mexe a partir dessa primeira questão. Isso é verdade? Há números que comprovam isso? O que explica o sucesso da Premier Ligue? E o segundo grande problema é que teria que haver uma completa mudança nas datas da Comenbol já que historicamente as datas da Copa Libertadores avançam até julho, enquanto na Europa as competições se encerram no final de maio. A Comenbol é outra parada dura. Teríamos que convencer a CBF a peitar a Globo e a Comenbol de uma só vez. Estudamos isso incansavelmente e preferimos propor, devido a urgência da necessidade, um calendário customizado, com pouquíssimas alterações nas principais competições e que pudesse ser aplicado ou implementado apenas com a decisão da CBF e dos clubes brasileiros, sem atrapalhar a TV Globo.

As Copas Estaduais propostas pelo Bom Senso não estão sendo levadas em consideração pelos presidentes de federações. Eles não abrem mão da base que os possibilita ficar no poder: os clubes pequenos. E agora?

Já passou da hora dos clubes pequenos se rebelarem. Até quando vão aguentar isso que lhes é oferecido? Conversei com vários presidentes, nenhum deles está feliz. Mas aí você vê que os presidentes das federações se mantém no cargo por aclamação. Alguma coisa está errada, não? Os clubes juntos tem muita força mas a desunião deles é que sustenta o poder das federações. Enquanto cinco ou seis aceitam o risco da mudança, 20 ou 30 encostam nas federações para conseguir vantagens, empréstimos etc… E vivem essa vida modorrenta de jogar três meses por ano. É um modelo fadado ao fracasso, infelizmente.

Os jogadores têm medo de optar pela greve? Vocês não deixaram o trem passar logo depois da invasão ao CT do Corinthians? Foram sabotados pelos clubes do interior? Os jogadores não tiveram coragem de enfrentar os dirigentes que os ameaçavam de demissão? Ou dentro do Corinthians houve atletas que não queriam greve para não ter mais problemas com torcedores como o Emerson?

Dentre os jogadores do Corinthians, sustentamos (todos) a paralisação até domingo as 13:30h (o jogo estava marcado para as 16h) mas o clube não estava com a gente. O diretoria estava com medo das possíveis punições. Não nos sentimos respaldados e acabamos cedendo muito mais pelo desespero nos olhos dos amigos da diretoria do que pela nossa vontade de ir para o jogo. E essa posição da diretoria do Corinthians após a invasão do CT acabou por não convencer atletas importantes de outros times de que deveríamos parar. Esses jogadores pediam uma posição mais firme para que pudessem bancar os riscos de uma greve que se apresentava sem suporte legal. E sem a adesão dos jogadores de renome, não havia como pedir para que os atletas do interior parassem também. Há de se lembrar que os atletas do interior foram extremamente pressionados por seus presidentes (que receberam, um a um, ligação direta do Sr. Marco Polo Del Nero) e preferiram não colocar em risco suas carreiras e seus futuros naquele momento. Quem propôs a greve foi o sindicato dos atletas de são paulo. O Bom Senso não se pronunciou oficialmente naquele momento já que havia decidido que não atrapalharia o andamento dos estaduais pois essa é a única opção de milhares de atletas jogarem, receberem e aparecerem para os grandes clubes. Mas a meu ver, a greve será a única solução para pressionar o status quo a buscar soluções no curto prazo.

O movimento Bom Senso não buscou o apoio de jogadores jovens e importantes como Neymar, Oscar, Lucas, Ganso? Ou eles não se interessaram? A principal ‘acusação’ de membros da CBF e até de gente como Eurico Miranda é que o movimento é de jogadores ricos e em final de carreira, que só querem atenção perto de largar o futebol e sonham em ser dirigentes, políticos?

Você deve se lembrar que quando houve greve na Espanha, há dois anos, quem estava sentado na mesa de negociação e quem dava as caras na imprensa eram oito dos principais jogadores da seleção espanhola. Foram eles que tomaram a frente do processo e disseram que não entrariam em campo em solidariedade aos demais companheiros de outros clubes que estavam com salários atrasados. Na NBA há alguns anos a greve também foi comandada pelos seis principais jogadores da liga. Não tenho dúvida de que apenas os grandes jogadores, com prestigio e história é que podem sustentar uma posição de confrontação com as entidades. Esse tipo de atleta não será ameaçado ou retaliado descaradamente. Todos os outros serão, sabemos disso. Quanto aos jovens, o movimento é democrático, é público. Entra quem quer. Ninguém é forçado a nada. Quando éramos jovens também não participamos ou não participávamos das principais decisões porque tínhamos medo de retaliação, porque estávamos preocupados com a nossa carreira e com as nossas oportunidades. A geração anterior a nossa era alienada ou desinteressada e não parou um segundo para pensar nos que vinham depois deles. Alguns estão na TV hoje, falando abobrinhas como se tivessem feito alguma coisa importante (extra campo) quando tinham notoriedade e representatividade para tal. Já Neymar, Lucas e Oscar estão estabilizados financeiramente mas tem uma Copa do Mundo pela frente e os outros jovens, instáveis economicamente, não discutirão com os poderosos nem se posicionarão contra eles. É mais do que entendível isso. Mas é oportunista a CBF e os Euricos dizerem que o movimento é de velhos que querem atenção. Parece que estão falando de si próprios. É uma tentativa ridícula de ludibriar o publico para mascarar sua inoperancia administrativa e o desrespeito para com as estrelas que produzem, com suor e trabalho, o futebol brasileiro. Freud explica. Só se tem medo do que há dentro de voce. Como eles têm muitos interesses nos cargos políticos do futebol, eles acreditam que todas as outras pessoas também devam ter. Então será impossível explicar-lhes ou faze-los entender que um bando de atletas consagrados representando mais de mil jogadores resolveu contribuir com o aperfeiçoamento do esporte no país, por paixão e vontade de deixar um caminho mais saudável para quem está por vir. Diferentemente dos atletas, esses personagens não são os produtores mas sim, os exploradores do futebol brasileiro. E exatamente por esse motivo, não dá pra entender como a CBF e as Federações (que vivem do espetáculo produzido pelos atletas) desrespeitam os jogadores e não dão a mínima para suas opiniões e experiências. Estamos falando do Dida, Alex, Rogério Ceni, Juninho Pernambucano, Seedorf, Juan, D’Alessandro, Gilberto Silva, Fernando Prass, Barcos, Lucio Flavio, e tantos outros…. Quem são Marin e Marco Polo? Quem é Novelletto para falar uma asneira por semana? Tiveram sucesso em suas administrações? O interior de São Paulo está jogado as traças. O interior do Rio Grande do Sul nem se fala. É esse modelo atual que eles defendem? Me parece que sim porque estão todos muito satisfeitos. São verdadeiros dinossauros que não fazem ideia do que acontece no futebol atual mas que estão dispostos a tudo para continuar a mamar nas tetas da vaca. E o povo, revoltado com a sua própria desgraça diária em um país que não oferece o mínimo necessário, ao invés de perceber a força e a importância desse movimento (como exemplo) para a sociedade que precisa reclamar coisas mais importantes (evidentemente), trata de gastar energia para discriminar alguns atletas (2% do total) que recebem salários privilegiados. Só que por ignorância esse mesmo povo aceita passivamente a exploração e a má gestão do produto que ele ama e consome. Isso sim é uma coisa de maluco para mim!

Sua ida à China enfraqueceu o movimento. Alex está muito mais contido do que no início do movimento. Falta carisma ao Dida e ao Fernando Prass. Rogério Ceni mais desabafa do que propõe. Você ficou dividido entre o sucesso financeiro da transferência ao Oriente e sua importância no futuro do futebol brasileiro?

Acho que expliquei isso na primeira resposta.

No Corinthians eu havia descoberto um desconforto à sua permanência. Mano não queria que você fizesse o time perder o foco do futebol. Mario Gobbi, rompido com Andrés, queria ficar mais perto de Marin. A sua presença atrapalhava. Você percebeu o cenário?

O que percebi é que eles não propuseram uma prorrogação do contrato. Quais os motivos para isso eu não sei. Quanto ao Mano, ele havia conversado comigo sobre as entrevistas. Eu havia dito que tomaria cuidado para não atrapalhar o grupo mas que o meu caminho de contestação e de exposição não tinha mais volta. Eu durmo tranquilo todos os dias porque não deixei, em momento nenhum, de seguir a mesma linha de conduta de quando iniciei minhas críticas ao Ricardo Teixeira lá atrás.

Você ficará dois anos na China. Terá 32 anos, quer voltar para jogar no Brasil ou tentará ser dirigente, político?

Não sei. Aprendi que fazer planos é uma perda de tempo irrecuperável para a nossa vida. Nunca acertamos o que será de nós.

Muita gente repetiu que o Brasil é um país que não abre espaço para jogadores revolucionários, intelectuais. Foi assim com Afonsinho, Sócrates. Você está sentindo na pele essa situação?

Eu não ouso me comparar a esses craques da bola e do pensamento. Acho que eles atuaram em um momento muito mais dificil que o atual e foram extremamente corajosos e inteligentes. Colhem, merecidamente, os frutos de suas boas atitudes até hoje. Mas não é só no futebol que o povo não abre espaço. O nosso país é o que é porque falta educação de qualidade ao povo. Quem sabe se tivermos mais exemplos de pessoas com notoriedade e representatividade (como vem fazendo os principais jogadores do país com o movimento do Bom Senso) consigamos disseminar a importancia de se participar de ações que visam a discussão e o aprimoramento de tudo que não funciona bem no Brasil. Uma coisa é certa, não adianta ficar em casa com a bunda na cadeira reclamando que a vida é uma porcaria.

Você tem consciência que sua saída do Brasil frustrou muita gente que começava a aderir ao Bom Senso? E por outro lado proporcionou festas na CBF e o sentimento de alívio em vários dirigentes? Você era visto como uma ameaça ao sistema.

As pessoas que aderiram ao Bom Senso continuam acreditando e contribuindo com o movimento. Elas não estavam lá por mim mas porque acreditam na causa e nos valores que defendemos. E assim continuará sendo.

Qual a sua real análise da Copa no Brasil? Qual o legado que ficará para o país? Para os jogadores? O que mudará se o Brasil vencer ou perder o Mundial? Muita gente acredita que será o caos ao futebol interno uma derrota. Concorda?

O futebol brasileiro está quebrado. O mercado foi inflacionado desde o último contrato que a Globo pagou pelos direitos de TV. Os clubes gastaram muito mais do que podiam e agora estão adiantando as receitas de 2015 e 2016. A maioria está com salários ou com os direitos de imagem atrasados. A Copa do mundo deixará estádios lindos que foram construídos com muito dinheiro público. A manutenção desses estádios é uma incognita. Os gastos foram absurdos e abusivos, nenhuma cidade sede entregará o que prometeu. Os legados sociais e esportivos são minimos para a sociedade. Ou seja, não muda nada. Deixamos o bonde da história passar. Quanto ao resultado da Seleção, torço pelos jogadores. Eles receberão uma pressão absurda. Espero que tenham discernimento e suportem bem essa cobrança para que consigam fazer grandes jogos. Há muita coisa em jogo, não se trata só de futebol. O que se repete é que os cavalos de corrida é que terão que carregar toda essa carga no mês de junho.

Qual é o país que adota o melhor calendário para o futebol?

Os países europeus, sem dúvida.

A participação da imprensa está sendo favorável ao Bom Senso? Ou muitos não conseguem entender a sua importância?

A maior parte da imprensa me parece favorável ao movimento. Que cada um contribua da forma que puder. Todos, inclusive a imprensa, tem muito a ganhar com a melhora do espetáculo e do futebol brasileiro.

Dirigentes afirmam que o BS não aceita um teto salarial. É justo ou não fixar um teto para os jogadores?

Em primeiro lugar, o Bom Senso nunca falou sobre este tema com ninguém. O movimento fala sobre jogo limpo financeiro e calendário. Só. Se o jogo limpo financeiro for implantado, os novos contratos serão reajustados de acordo com o mercado e sua realidade. Os jogadores apoiam essa medida. Deu pra entender? Os jogadores sabem que há um risco de redução dos valores mas preferem receber menos para receber em dia. E em segundo lugar, e aqui vai a minha opinião, o mercado ou os bons gestores sabem que há um limite na folha de pagamento que deve ser proporcional a arrecadação do clube. Se o clube arrecada mais, pode pagar mais. Se o clube arrecada menos, deve pagar menos. Todo clube tem uma oscilação de receita dependendo do resultado esportivo do ano anterior, bilheteria, etc… Por isso o valor do “custo futebol”, dizem os especialistas, não deve passar de 70% da receita total. Ou seja, o clube oferece o contrato que quiser para o atleta. Posso pedir um milhão, se ninguém me pagar isso vou ter que reduzir, reduzir, reduzir até achar um valor justo. Só que tem muito dirigente torcedor que na hora do desespero faz cagada e depois põe a culpa no atleta. Chegou a hora de melhorar a política de contratação e de manutenção de elenco. Sou a favor dos contratos por produção. Isso é feita na Europa há décadas e pouquíssimos clubes fazem no Brasil. Que cada gestor consiga montar o melhor elenco possível com o dinheiro que tem. Ah, e outra coisa, jornalistas, empresários e artistas tem teto salarial? Isso é história pra boi dormir.

Você está escrevendo um livro sobre o BS? Seria interessante demais mostrar o quanto é difícil mudar os paradigmas do futebol neste país.

Não estou escrevendo não. Quem sabe um dia. Nesse momento meu foco é aprender mandarim, jogar bem, dar suporte ao Bom Senso e aproveitar a vida na China. Isso toma todo o meu tempo, posso te garantir.

Qual o motivo da violência dos torcedores. O que pensa da atual legislação? Por que tanta impunidade?

Pulei essa.

O quanto você e sua família sofreram com sua postura firme de tomar à frente dessa revolução no futebol brasileiro?

Sinceramente, não sofri nada. Fiz tudo de peito aberto, acreditando piamente no que estava fazendo. Faria tudo de novo. E minha família diz ter muito orgulho. Nos piores dias os amigos mais próximos me ligavam, estavam preocupados com toda a exposição e eu lhes dizia: Estou feliz. Tenho tanta convicção do que estou falando e sei que estou fazendo o que é certo que durmo feito uma criança a noite. Sabem por que? Porque não passo um pingo de vontade. Digo o que penso e defendo os meus ideias utilizando todo o conhecimento e experiência que adquiri aos longo desses 16 anos de futebol. Voces sabem o que é isso? Eu lhes perguntava. E eles diziam que eu era um louco. E por fim eu sempre dizia a mesma coisa – como naquela música que não lembro o cantor – louco é quem não é feliz. Pensando bem, foi exatamente isso que o Doutor Sócrates e meus pais me ensinaram.