segunda-feira, 5 de maio de 2014

Paulo André: 'Uma paralisação no Campeonato Brasileiro se faz necessária'

Paulo André, 30 anos, não desistiu da luta. Há quase três meses o zagueiro trocou o Corinthians pelo Shanghai Shenhua, que disputa o Campeonato Chinês. Apesar da distância, continua envolvido com o Bom Senso FC e mantém opiniões fortes sobre o futebol brasileiro. Na entrevista a seguir, produzida após uma troca de e-mails, Paulo André fala sobre o risco de greve no Campeonato Brasileiro, violência, racismo e a vida na Ásia.



Faz dois meses que você mora na China. Já se adaptou?
Estou adaptado. Shanghai é uma cidade incrível, extremamente ocidentalizada e que tem praticamente o dobro do tamanho e da população de São Paulo. Estou aprendendo mandarim e me divertindo com a culinária asiática. Come-se muito bem por aqui. Quanto ao futebol, tudo é muito parecido. A rotina diária, os treinos e as viagens ocupam boa parte da semana mas tem-se uma vida mais tranquila por aqui.

Você foi bastante criticado quando decidiu trocar o Corinthians pelo futebol chinês. Houve quem disse que você abandonou a luta no Brasil. Como você lidou com esse tipo de reação?
A maioria das pessoas nunca está satisfeita e ao mesmo tempo nunca tira a bunda da cadeira para fazer alguma coisa. Eu fiz e continuo fazendo a minha parte. Tenho certeza de que ajudei a mostrar a muita gente que é preciso arregaçar as mangas e participar de práticas compatíveis com as mudanças que você deseja ao seu país, ao seu meio. Me criticaram porque eu comecei, me criticaram porque insisti e me criticaram depois. Uma coisa é clara, se você não quiser ser criticado, fique em casa e não faça nada. Eu nunca pretendi ser um salvador da pátria, apenas agi e falei de acordo com as coisas que acredito. E hoje quando vejo que a federação dos treinadores, a associação dos executivos do futebol e os sindicatos apoiam o Bom Senso, tenho certeza de que eu estava no caminho certo. Para mim é tão evidente que o futebol brasileiro, a CBF, as federações, os clubes, os atletas e as torcidas precisam de mudanças que tratei de fazer tudo que estava ao meu alcance para ajudar no processo de trazer à tona essas necessidades. A consciência do problema e a abertura do diálogo são os primeiros passos para qualquer processo de desenvolvimento. Agora, a indiferença da CBF para com esse tripé (atletas, treinadores e gerentes) que vive e produz o futebol no país é assustadora.

Na hora de tomar essa decisão, você avaliou a repercussão que teria?
Evidentemente que sim. Eu já havia recebido duas ofertas da Europa e estava pesando os prós e os contras desde dezembro. O Corinthians, a minha história no clube, a qualidade de vida que eu tinha em São Paulo e a luta pelo Bom Senso me faziam ter a certeza de que não seria por um salário maior que eu largaria tudo e iria embora. Havia uma coisa muito vantajosa na proposta dos italianos que era a estabilidade de dois anos e meio de contrato. Levei ao Corinthians essa questão. No dia 10 de janeiro entrei na sala do Mano Menezes e disse: "Estou com 30 anos, tive várias lesões na carreira, terminei o ano passado muito bem. O futebol é dinâmico e não se sabe o dia de amanhã. Não estou aqui pedindo aumento mas um ano e meio a mais de contrato representa muita coisa. Renovar ou sair será provavelmente o meu último bom contrato. Ele disse que eu tinha razão e levaria a questão à diretoria. O Edu Gaspar recebeu meu empresário e pediu uma semana para responder. Esperei até o dia 31 de janeiro quando fechou a janela para a Europa e acabei perdendo as negociações. Quando surgiu o negócio da China, estava muito claro para mim que o eu deveria fazer. Fui ao clube e pedi para ser liberado. Era hora de pensar no meu futuro.

Você avalia que seu afastamento (pelo menos geográfico) pode ter contribuído para fortalecer o movimento de alguma forma? Ou pelo menos para reduzir a impressão de que se tratava "de uma coisa do Paulo André"?
Eu acho que a continuação do movimento e o engajamento dos atletas nas últimas semanas fortaleceu o Bom Senso. Nunca foi uma coisa de dois ou três atletas. Isso foi o que a CBF e as federações tentaram passar ao publico para justificar sua inoperância e seu desinteresse em dialogar com os jogadores. Então faltar com respeito ao Paulo André porque acham que é uma coisa pessoal, tudo bem. O que não dá pra entender é como a CBF e as Federações desrespeitam os grandes atletas e não dão a mínima para suas opiniões e experiências. Estamos falando do Dida, Alex, Rogério Ceni, Juninho Pernambucano, Seedorf, Juan, D’Alessandro, Gilberto Silva, Fernando Prass, Lucio Flavio, Roberto e tantos outros…. O que esses senhores queriam? Que atletas mais jovens e menos estabilizados profissional e financeiramente tomassem a frente e discutissem com os poderosos ou se posicionassem contra eles? Nós não fizemos isso quando éramos mais jovens porque sentimos na pele a pressão. Sabemos onde o calo aperta para esses meninos e jamais colocaríamos isso em risco. Mas se pegarmos exemplos de greve nos últimos anos perceberemos que os atletas de maior expressão sempre estão a frente, dando a cara e defendendo os demais. Foi assim na Espanha há dois anos e foi assim na NBA há três

O movimento nasceu no segundo semestre do ano passado com muito barulho, muita repercussão. Hoje dá impressão de estar mais frio, menos intenso. É correta ou injusta essa avaliação?
O Bom Senso continua forte e trabalhando, a ponto de ter influenciado os rumos e as alterações promovidas pelo deputado Otávio Leite no texto do Proforte. Sete das nossas oito demandas de Jogo Limpo Financeiro estão contempladas na proposta. Ou seja, encontramos outros caminhos para fugir na inoperância e do desinteresse da CBF que, irritantemente, mantém sua política de tentar distrair e enfraquecer as demandas do movimento por meio do desrespeito aos principais atores do futebol nacional. O balanço anual dos clubes está por sair e o buraco negro do futebol brasileiro ficará cada dia mais evidente. Os clubes estão quebrados, mas a Seleção vai bem.

O Campeonato Brasileiro começou sem nenhuma grande manifestação por parte do Bom Senso FC. Vocês pretendem esperar a Copa passar?
Nós buscamos um meio legal para embasar a paralisação. O sindicato dos atletas trabalhou nisso nos últimos meses e hoje temos 30 elencos da primeira e segunda divisões assinando o apoio ao edital produzido pelo sindicato. Fazer as coisas de maneira correta leva mais tempo mas mostra a seriedade do movimento. E a paralisação se faz necessária pois é a única forma de colocar em risco a confortável posição dos políticos que controlam o futebol no país.

Vai ter greve?
O nome correto seria paralisação. Eu acredito que sim.

Marco Polo Del Nero foi eleito presidente da CBF sem ter oposição. O que acha disso?
Me interesso muito pouco pelas pessoas que disputam o poder. Me interessaria muito mais se elas tivessem projetos e divulgassem suas propostas. Como alguém pode ser eleito a alguma coisa sem apresentar sua plataforma de governo? O modelo político da CBF e Federações é retrógrado e não haverá solução enquanto continuar assim.

Essa oposição um dia pode sair dos jogadores?
Se o estatuto não mudar, não. É necessária a indicação de oito federações e cinco clubes. Você acha que algum deles tem coragem de ir contra quem está no comando? Essa primeira eleição pós Ricardo Teixeira é um bom exemplo para mostrar que o modelo eletivo precisa ser alterado e que os clubes das outras divisões e os atletas devem ter direito a voto.

Você pretende vir ao Brasil para assistir a jogos da Copa do Mundo?
Não terei tempo. O clube nos dará alguns dias de folga, mas insuficientes para que eu vá ao Brasil. Acompanharei de longe.

Você vem ao Brasil para votar? Tem candidato, tem partido?
O campeonato chinês acaba em novembro, impossibilitando a minha presença no período das eleições. Não tenho candidato nem partido, mas acompanho e gosto de política.

O que você pensa de movimentos como o "não vai ter Copa"?
Apoio as pessoas que se organizam, saem as ruas e protestam. Se fizerem tudo isso de forma pacífica e inteligente incomodarão e alcançarão seus objetivos. Mas infelizmente acho que nesse caso estão atrasados. Se tivessem começado em 2007 teriam contribuído muito mais. Confesso que em 2007 eu também não tinha essa visão e agora não há muito que se possa fazer. Atrapalhar o evento por atrapalhar prejudicará ainda mais a imagem do país para futuros investidores e turistas. Economicamente para o povo brasileiro, é melhor que tentemos fazer o melhor possível com o pouco que nos foi entregue pelos gestores desse evento. E que voltemos nossas "armas" para a fiscalização das contas e a punição dos culpados por esse caos e essa gastança desmesurada.

Sua saída do Corinthians se deu logo após a invasão do CT por parte de organizadas. O que você achou do episódio? Pergunto porque você era um jogador que costumava conversar com eles.
Foi um dos dias mais tristes da minha vida, não só pelo risco que corremos mas por tudo que se sucedeu depois. As reuniões, as decisões… É difícil explicar o que senti. Já haviam invadido o CT outras vezes (o mundo está tão de cabeça pra baixo que no Brasil achamos isso comum) mas o que aconteceu naquele dia foi completamente fora do normal. Por muito pouco não aconteceu uma grande desgraça. Da minha parte, em cinco anos de Corinthians, tirando três ou quatro encontros no CT, em que alguns integrantes das torcidas organizadas estiveram para cobrar e conversar com os jogadores, eu participei do carnaval de 2010 desfilando em cima de um dos carros da Gaviões e estive, a convite da diretoria da torcida, na quadra para uma reunião sobre o Bom Senso que aconteceu no final do ano passado. Para mim é muito claro que há pessoas boas e pessoas ruins. Pessoas que amam e pessoas que exploram. Não se pode generalizar e falar que ninguém presta e não se pode ser hipócrita ao ponto de dizer que podemos continuar como está. É preciso que as organizadas, os clubes, a CBF, e o poder público sentem numa mesa e façam um acordo para que as regras para as torcidas organizadas sejam mais específicas, que seus meios de sobrevivência e suas atividades sejam mais transparentes e melhor fiscalizadas, e que as punições, em caso de marginalidade (especialmente dentro ou em torno de um estádio de futebol), sejam mais severas.

Depois daquilo, três pessoas foram presas, mas acabaram soltas.
Eu não sou especialista em direito. Mas se o clube que foi invadido e as pessoas que foram agredidas não forneceram provas suficientes do que aconteceu aquele dia, não há como manter os três elementos na prisão. Agora, o juiz dizer que eles só queriam aparecer e demonstrar seu amor pelo clube é uma barbaridade. Ele está incentivando novas invasões como essa. Sua declaração foi desastrosa assim como o sumiço das imagens internas também o foi.

O que achou da atitude do Daniel Alves e da campanha do Neymar contra o racismo?
Acho importante conscientizar as pessoas de que somos todos iguais. O gesto do Daniel foi muito legal. As grandes estrelas têm um papel fundamental na luta contra o preconceito e, em ano de Copa do Mundo e eleições presidenciais, seria muito importante que eles continuassem atuando e participando de causas sociais importantes para o desenvolvimento do nosso país.

Há discussão sobre racismo no futebol da China também?
Acho que não. O maior ídolo do futebol chinês atualmente é o Muriqui.

Você já encontrou algum livro, ou filme, ou música, que te influenciou na carreira no campo?
Muitos. Eu não consigo separar o jogador do ser humano. Então tudo o que aprendo e adquiro de conhecimento fora de campo eu levo como bagagem pra dentro de campo, para o relacionamento com meus companheiros, para liderar um time, para suportar a pressão. Jogar futebol não é só jogar futebol, há uma grande complexidade e inúmeras variáveis. O filosofo português Manoel Sergio fala muito sobre isso e as biografias de André Agassi e Michael Jordan mostram o poder da mente dentro do jogo.

Quem te ensinou algo e ajudou a construir o zagueiro que você é?
As centenas de jogos que assistia quando morava nas arquibancadas do estádio do Morumbi entre 1998 e 2001. As grandes partidas de futebol do país aconteciam ali e eu tinha acesso à tudo aquilo. Eu costumava esquecer a bola e fixava meus olhos nas linhas defensivas. Acho que isso me fez entender melhor o jogo e fez com que eu me tornasse um jogador profissional apesar de algumas limitações, sobretudo físicas.

Numa conversa informal, você mencionou que "se não fosse o futebol, estaria no paraíso". Quer explicar melhor essa frase?
Quando você se acostuma a ganhar campeonatos, fazer parte de times vencedores, treinar e jogar no limite do suas forças, é dificil se adaptar a um estado mais calmo. Abrir mão desse sentimento e dessa busca de ser campeão é impossível para mim. Ganhar é um vício e perder dói demais. Então às vezes sofro por não conseguir colocar esse vontade na cabeça dos meus companheiros de time. Mas vou continuar tentando, os planos para a temporada que vem são audaciosos e até lá construiremos um time vencedor aqui também.

Pelo que você e ganha na China e pelo que liderou no Brasil, você valoriza mais crescimento econômico ou liberdade de expressão?
Sabemos que quando há um poder centralizador é mais fácil ditar os rumos da economia e consequentemente seu crescimento, mas como diria Winston Churchill, "ninguém pretende que a democracia seja perfeita ou sem defeito. Tem-se dito que a democracia é a pior forma de governo, salvo todas as demais formas que têm sido experimentadas de tempos em tempos". Agora, o pior dos mundos é a falsa ideia de democracia existente, como por exemplo, no estatuto da CBF. O modelo atual não traz crescimento (ao futebol brasileiro) e, ao mesmo tempo, não se abre para o debate e para novas ideias.

Quanto tempo ainda dura sua carreira de jogador? E depois, está claro o que vai fazer?
Não sei te dizer. Fisicamente vivo o meu melhor momento. Fiz mais de 100 jogos nos últimos dois anos. Se continuar assim vou aproveitar para esticar minha carreira. Aprendi que fazer planos é uma perda de tempo irrecuperável para a nossa vida. Nunca acertamos o que será de nós. De qualquer forma, estarei envolvido com o esporte. Essa é a grande paixão da minha vida.