quarta-feira, 17 de julho de 2013

"Mais um dia de jogador..."

O texto a seguir foi escrito pelo Paulo André e postado em seu blog no dia 22 de setembro de 2012, sábado, um dia antes da partida entre Botafogo e Corinthians, jogo válido pela 26ª rodada do Campeonato Brasileiro. Até hoje, é o post mais lido do blog, porque ele ilustra a rotina que ele vive antes de um jogo.

Mais um dia de jogador…


Hoje, sábado de manhã, acordei às 7:30h. Trinta minutos antes do alarme despertar. Essa ansiedade deve ter sido por conta de eu ter esquecido o horário do treino. Às vezes tenho que chegar ao clube às 9h, para começar o treino 9:30h. Em outras oportunidades, dependendo das circunstâncias, devo chegar 9:30h para estar pronto às 10h. Ou seja, na dúvida entre acordar 8 ou 8:30h, abri os olhos 7:30h e fui fazer minha mala de viagem para a concentração.

Minha mala é pequena e já me acompanha há um bom tempo. Quando vou “fazê-la” me lembro daqueles armários dos desenhos em quadrinhos, sempre com as mesmas roupas. Faço tudo em modo automático. Meia, cueca, shorts, camiseta, blusa de frio (tudo do Corinthians). Vou jogando tudo lá dentro, pensando que ainda poderia estar dormindo se eu tivesse certeza de que o treino seria às 9:30h. Coloco o computador, carregador de celular e o livro que estou lendo no momento, do Rafael Nadal. Nem me preocupo com a nécessaire, ela nunca sai lá de dentro.

Enquanto escovo os dentes me lembro que tenho que ir de calça jeans. Quando jogamos “fora de casa”, ela é, ao lado de uma “camiseta de viagem” do clube, o uniforme obrigatório. Pego o primeiro jeans que aparece na minha frente e, aproveitando que o jogo será no Rio de Janeiro, resolvo colocar um óculos escuro. Tudo pronto para sair.

Na porta de casa me pergunto se não seria melhor ir de taxi para o clube.

Entro no elevador achando engraçado o “cara” não se lembrar do horário do treino mas saber, com certeza, que a volta da viagem será pelo aeroporto de Congonhas. Não vi essa informação no painel do vestiário mas sei que sempre que jogamos no Rio de Janeiro, o clube prefere aterrissar no aeroporto de Santos Dumont, que fica pertinho de Copacabana, onde ficaremos concentrados. Logisticamente é muito melhor.

Já dei a partida no carro e penso que me arrependerei de não ter ido de taxi porque como voltaremos logo após a partida contra o Botafogo, deveremos descer em Congonhas por volta das 21:30h. Até pegar o ônibus do clube, atravessar a cidade e chegar no CT para pegar meu carro, deve-se passar uns 40 minutos. Mais uns 30 minutos de carro até a minha casa significa que o jantar de domingo à noite já está comprometido.

Quando chego no Km 13 da rodovia Ayrton Senna, em frente ao CT, percebo que poderia ter dormido mais 30 minutos. São 8:40h e não tem quase nenhum carro estacionado lá dentro. O treino será às 10h. Tudo bem, penso. Vou tomar um bom café e aproveitar para fazer meus alongamentos e exercícios específicos.

Desço com a mala, cumprimento o Deílson e o Luis, seguranças, que já estão anotando o horário e o nome de quem chega. Essa lista vai pro Edu Gaspar e pro Tite, sempre que necessário, se é que entende o que quero dizer. Mais alguns passos e estou em frente à rouparia dizendo bom dia pro Seu Carlos, Edizio, Roberto e Seu Miranda, que já estão com tudo pronto para a viagem. Esses são os caras que mais trabalham no clube.

Chego no vestiário e a roupa de treino está me esperando no armário. Me troco, coloco o tênis e vou para o café da manhã.

É o Mancha e a Priscila que cuidam da cozinha. Não preciso nem pedir, o Mancha já sabe exatamente o que quero comer. Pão francês, queijo branco e três fatias de peito de peru, unidos e esquentados na chapa. Um copo de suco de laranja e outro de iogurte. Enquanto espero o lanche ficar pronto, sento na mesa com o Douglas, Tufão.

Sem falar nada, fico escutando as histórias da mesa ao lado, onde estão Julio Cesar, Cássio, Danilo e o “já morreu”, os quatro goleiros do elenco. Os três mais velhos estão sacaneando o Caique, que tem apenas 18 anos. Dou risada e entro na brincadeira até terminar minha refeição. Logo em seguida vou para a academia fazer as posturas de alongamento.

Penso estar fazendo a digestão enquanto alongo as pernas. Passo uns 15 minutos ali, mudando as posições e dando ênfase ao adutor esquerdo que sofreu um pouco mais essa semana. Assim que me sinto pronto, vou para a bicicleta. Mais 10 minutos de aquecimento, quase uma lubrificação para os joelhos e me sinto pronto para o leg press.

Enquanto isso vejo o pessoal chegando. A maioria reunida no café, conversando e rindo com o preparador físico Fábio Mascheradian, que tem como costume gritar muito de manhã. Agora já virou piada, mas esse cara é irritante e se ele te pegar para Cristo, consegue te tirar do sério, de tão alta que sai a sua voz.

Passo na mesa extensora, depois faço uma série de agachamento e volto para o vestiário para trocar o tênis pela chuteira. Vejo o pessoal sacaneando o Romarinho, que esqueceu a calça jeans para viajar. Parece que não é a primeira vez rs

Os 20 jogadores relacionados para o jogo são chamados na sala de vídeo. O Tite nos recebe, mostra três lances do nosso jogo contra o Botafogo pelo primeiro turno e nos alerta para as dificuldades. A reunião é rápida, não dura nem 5 minutos.

Quando o relógio aponta para as 10h, o Fábio abre o berreiro e ninguém consegue ficar no recinto. Revoltados com aquela gritaria desnecessária, seguimos o nosso destino, xingando-o muito, até o campo de aquecimento.

Mais uma vez no dia, percebo que existe uma rotina, um padrão.

Roda de bobinho com três jogadores no meio. Os mais novos são os escolhidos para começar no “bobo”.  Quando conseguimos dar 20 toques sem que os três do meio encostem na bola, eles são obrigados a ficar mais uma vez ali.

Passamos uns 10 minutos dando risada e nos divertindo com as tentativas e grandes lances que acontecem espontaneamente naquele espaço. Apelidos são inventados do nada e histórias surgem com facilidade. Fica nítida a intimidade e a amizade do grupo.

Mais uma vez o Fábio dá o comando e começamos a nos alongar. Depois ele nos leva para um circuito, com quatro estações repletas de cones, para que façamos exercícios em alta velocidade.

Todo dia anterior ao jogo é a mesma coisa, mudam os exercícios mas o princípio é ativar as fibras rápidas da musculatura e prepará-las para o jogo do dia seguinte.

Uma vez terminada a parte física, vamos direto para um jogo.

Com quatro gols (traves) e divididos em dois times, duelamos por mais 15 minutos. Não é como o tradicional rachão, o treino tem intensidade e competição apesar de ainda fazer parte do aquecimento. Quem dá esse trabalho é o Cleber Xavier, auxiliar do técnico Tite, que durante todo esse tempo estava caminhando lá do outro lado do CT, no campo principal.

É para lá que vamos quando acaba o jogo dos quatro gols. Chegou a hora do principal trabalho do dia, o treino tático com os 11 titulares, que dura mais ou menos 1 hora.

Uma vez posicionados, refazemos todos os movimentos que já conhecemos decor. Cinturão, Funil, só bloqueia, embala e devolve, concentração, taquinho de golfe, pé de pelica, dá-lhe bundasso rs. Parece estranho mas essas são algumas das expressões do Tite e estamos tão acostumados que sabemos exatamente o que ele está pedindo. Depois vêm as bolas paradas, posicionamento e mais dicas e sugestões do que poderá acontecer no jogo de amanhã.

Somos liberados para fazer o complemento que quisermos. Uns partem para a cobrança de pênalti, outros para fazer trabalho especifico de passe ou de cabeceio. Eu e o Alessandro partimos direto para o balde de gelo, onde ficamos 7 minutos imersos até a cintura, numa temperatura próxima a 5 graus. Serve para acelerar a recuperação e relaxar o corpo depois da atividade física. A maioria dos jogadores não gosta mas nós fazemos pelo menos 2 ou 3 vezes por semana.

Sei que o almoço está marcado para o meio dia e a saída do ônibus para o aeroporto será às 12:45h.

Trato de tomar banho e me arrumar. Todos estão acostumados e nunca temos problema com esses horários.

As mesas no almoço são compostas quase sempre pelas mesmas pessoas. Me parece que há um Q de superstição no ar, mesmo que seja inconsciente. O mesmo acontece com as poltronas no ônibus. Cada um tem a sua e ai de quem tentar mudar de lugar durante o ano.

Ao chegar no aeroporto, já sabemos o que nos espera. Uma loucura. Demos de cara com uma excursão, repleta de jovens que pedem autógrafos e fotos. Uns são mais assediados que outros e acho que hoje o Cássio, o Romarinho e o Paulinho foram os que mais tiraram fotos.

O vôo é normal, sentamos próximos uns dos outros, atendemos alguns pedidos de fotos dos tripulantes e comissários e aguardamos impacientes a chegada ao RJ. A maioria dos jogadores coloca aquele fone gigante e ouve música. Alguns dormem e outros lêem revistas ou livros. Este é meu caso, empolgado com as histórias do Rafa Nadal.

40 minutos depois, pousamos em Santos Dumont e somos levados por uma empresa privada que faz o traslado de todos os clubes da série A que vêm jogar no Rio.

Neste momento recebo a programação e o horário das atividades e refeições. É sempre a mesma coisa mas não custa reiterar.

Reunião às 18:40h para falar do adversário. Jantar às 19h. Café da noite às 22h.

Agora já são 22:30h, e o meu quarto encheu. Tinha uns 12 jogadores por aqui e eu tô culpando o Romarinho por isso. Concentramos juntos desde que ele chegou ao clube e encho o saco dele porque ele tem a mania de deixar a porta aberta.

O pessoal que estava no corredor, tomando o café, escutou a nossa TV e entrou pra ver o que era. Estavámos assistindo UFC e comentando sobre as lutas.

Agora começou a bagunça aqui. Estão me zuando porque estou escrevendo. Então vou terminar o texto e ficar de olho na TV. Não sou um apaixonado por lutas mas acho que vai ser uma boa distração.

E que venha o domingo…. o jogo… e o carro no CT.

Abs,

P.A

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