sexta-feira, 5 de julho de 2013

[Arquivo] 23 Samurais - Paulo André, o zagueiro intelectual do Timão no Japão

Durante os meses de novembro e dezembro de 2012, o Globo Esporte fez uma série de reportagens especiais intitulada 23 Samurais, na qual os jogadores selecionados para representar o Corinthians no Mundial de Clubes da Fifa foram entrevistados. Em cada entrevista, o jogador conta um pouco de sua vida, sua trajetória no time e escolhe uma palavra que define sua carreira até aquele ponto.

A entrevista com Paulo André foi ao ar no dia 05 de dezembro, exatamente uma semana antes da estreia do Corinthians no Mundial Confira:

PAULO ANDRÉ CREN BENINI

20 de agosto, 1983
Começou nas categorias de base do São Paulo. Dispensado, em 2001, passou por CSA, Vasco e Águas de Lindoia até se profissionalizar no Guarani. Depois, Atlético-PR, Le Mans, da França, e Corinthians, onde foi campeão brasileiro e da Libertadores

Paulo André, definitivamente, não é um jogador de futebol comum. Aos 29 anos, é modelo de uma famosa linha de perfumes [Hugo Boss], para a qual fotografa de terno e gravata, pinta quadros, adora tomar um bom vinho, joga tênis e já escreveu um livro. Parece o perfil de um “bon vivant” ou de um artista intelectual. Mas não é. Trata-se de um rapaz que pegava carona numa boleia de caminhão e recebia 180 reais para treinar, e estudou grande parte do tempo numa escola pública, onde não aprendeu absolutamente nada e ainda teve de conviver com a morte de perto.

Desde a reta final do Campeonato Brasileiro do ano passado [2011], o zagueiro ganhou importância que poucos esperavam no Corinthians. Tornou-se titular, se lesionou durante a Libertadores, mas recuperou sua posição com a venda de Leandro Castán. Vai jogar o Mundial, um sonho que cultiva desde que trocou as quadras de tênis pelo gramado.

A raquete parecia ser seu destino aos 14 anos. Segundo melhor tenista do estado de São Paulo, treinava ao lado de jogadores como Flávio Saretta e Ricardo Mello, que se tornaram profissionais. Até que um senhor chamado Carlinhos Magalhães o observou numa despretensiosa pelada num clube de Campinas, e o levou para o São Paulo. Nesse dia, Paulo André jogou como meia-atacante, mas Carlinhos disse ter pensado que ele era zagueiro, o que quase já o fez desanimar. “Será que não tenho qualidade?”, pensou. Mesmo assim ele foi, seduzido pelo futebol e pelo fim da solidão.

- O tênis já estava ficando caro, com viagens e treinos, e sempre muito sozinho. O futebol era mais prazeroso, concentrado com dez, quinze garotos. Um ambiente mais gostoso.

Gostoso? Nem sempre... Paulo André se despediu dos pais, Arnaldo e Miriam, para morar no alojamento do São Paulo. Não esse maravilhoso e cheio de regalias de Cotia, que ainda não existia. Os estudos continuaram, bancados pelo clube, numa escola pública próxima ao CT.

“Em qualquer coisa que eu faça, ou sonhe fazer, serei bem sucedido se aplicar três ingredientes: paixão, disciplina e sacrifício.”
Foto: 

O mau ensino não foi sequer o principal problema. A violência era a matéria mais divulgada. O zagueiro não se esquece do dia em que o diretor trancou todos os alunos no colégio, uma forma de tentar protegê-los da gangue que já havia avisado: invadiria o local para se vingar de um integrante morto.

- Cheguei segunda-feira para fazer prova, e no intervalo vi todo mundo fugindo. Então, me explicaram que no sábado havia morrido alguém numa festa junina, e que iriam invadir o colégio para descontar. Imagina o desespero. A diretoria trancou para ninguém entrar, mas a gente queria sair. Pulei o muro, a confusão era lá dentro. Hoje até parece engraçado, mas na época foi trágico.

Ao menos nesse dia não se teve notícia do cadáver. A sexta-feira era o tradicional dia de sair do CT e caminhar dois quilômetros até o orelhão, e ligar para os pais. Paulo André deixou para fazer isso na segunda, sozinho, e foi repreendido pelos companheiros, que haviam se deparado com dois corpos na porta do alojamento quando iam à missa, na véspera. Um aviso? Fato é que ninguém chegou nem perto da rua por um bom tempo.

Foram três anos de rotina semelhante, até o ex-goleiro Zetti, então técnico das categorias de base do São Paulo, dispensá-lo. Para não encerrar o sonho de ser profissional, ele foi para o CSA, de Alagoas, e teve passagem quase despercebida (por ele, inclusive) pelo Vasco, até desembarcar no Águas de Lindoia, do interior paulista. Lá, ele recebia um salário mínimo e morava num sítio a quatro quilômetros do campo de treinamentos. Subia o morro a pé ou numa boleia de caminhão.

- Às vezes faltava comida, não tinha água. Eu e mais uns dois jogadores éramos mais conscientes, sabíamos que era preciso se alimentar bem, então às sextas-feiras a gente ia a um restaurante na cidade e pagávamos seis reais para comer bem nas vésperas de jogos.

Nove meses e um título de juniores depois, o Guarani levou Paulo André e sua carreira começou a deslanchar. Fora de campo também. Ele cursou dois anos e meio de Educação Física, mas teve de parar quando se transferiu para o Atlético-PR. O gosto pela leitura não nasceu na escola, como já foi possível notar, mas sim nas visitas à casa dos pais. Ele via os parentes estudarem, e convivia com o temor de ficar para trás, ou não dar certo na carreira. Então, roubava os livros do irmão mais velho, e os devorava nas concentrações.

Os três anos no Le Mans marcaram o pior período de sua vida. A lesão no tendão patelar do joelho direito só se curou após três cirurgias, a última feita escondida do clube, e um ano e meio sem entrar em campo, de idas e vindas para o Brasil. Época de choro e depressão. A passagem pela França serviu para amadurecimento tático, mental e o convívio com uma cultura diferente, que inspirou o “eterno curioso”, como ele se define. Por isso, na volta, além de conquistar a torcida do Timão, o zagueiro abriu horizontes: posa, escreve, pinta, e tem um instituto para integrar crianças e adolescentes ao esporte e à cultura. E quer fazer mais. Um dos próximos objetivos é fazer as pessoas entenderem que jogadores de futebol podem ter vida social.

- É uma briga boa que assumi, mostrar que o jogador pode fazer o que todo mundo faz, e isso não vai prejudicar dentro de campo. Eu curto a vida, gosto de sair para jantar, tomar um vinho, sentar num bar ou restaurante e ficar conversando. Só que a cultura do torcedor é preconceituosa. Tomara que eu consiga levantar essa bandeira.

Aos 29 anos, Paulo André não irá muito longe no futebol. Não chegará aos 35 de jeito algum. Tem contrato até 2014 com o Corinthians e cogita, no máximo, mais uma renovação. Quer parar e ter tempo de fazer ainda mais coisas. Na lista de metas estão aprender a tocar um instrumento, surfar, viajar, aprender outros idiomas e, principalmente, se casar e ter filhos. O jogador só quer crianças quando tiver tempo para cuidar delas. Por isso, topa até o casamento.

- Gosto muito de uma frase de Machado de Assis que diz o seguinte: “Deus, na sua bondade e grandeza, inventou a fé e o amor. O diabo, muito malvado, querendo confundir o ser humano, inventou a religião e o casamento”.

Paulo só não foi tão diferente assim ao escolher a palavra superação para resumir sua trajetória, mas é bem compreensível. É nisso que ele se apoia para ajudar o Timão a conquistar o bicampeonato mundial.

- Vamos passar por momentos difíceis, mas juntos podemos ser mais fortes e vencermos. Sempre, antes dos jogos, eu agradeço por ter saúde e estar ali. É o que vou fazer no Japão.

“Olho para trás e ainda me pergunto: como eu aguentei? Eu poderia ter desistido e buscado um caminho mais confortável, mas escolhi passar por isso. Acho legal mostrar à sociedade” 

Foto: 









Fonte (acompanha vídeo): Globo Esporte 

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